O ChatGPT é o primeiro motor de inteligência artificial a ser utilizado por um grande número de pessoas – um milhão nos primeiros cinco dias. Para quem o experimentou, é uma experiência quase surreal ver como responde a qualquer questão posta em linguagem natural. O ChatGPT ainda tem muitas arestas por limar – o que o motor nos oferece é uma “média do que já existe” e não novo pensamento e novas soluções – mas é um vislumbre de um futuro próximo e deixa-nos a pensar no mundo em que os nossos filhos e netos vão viver – e, sobretudo, como (n)os devemos preparar para esse mundo.

O modelo de educação que temos mudou pouco desde a Prússia de Frederico o Grande: um professor à frente dos alunos, aulas, de sala em sala, como uma linha de montagem. Toda a gente a aprender a mesma coisa, ao mesmo tempo.

Este modelo de educação teve o grande sucesso de levar os países desenvolvidos à escolaridade quase universal. Mas, no entanto, tem grandes fragilidades: como Glasser mostrou, a taxa de retenção de conhecimento numa aula é baixa (menos de 10%), não aprendemos todos ao mesmo tempo, nem somos todos motivados pelos mesmos temas e pelos mesmos estímulos. Além disso, é um sistema caro, com taxas de desistência elevadas, e que em Portugal ainda não resolveu o desalinhamento entre as competências oferecidas e as requeridas pelo mercado de trabalho, contribuindo para manter o desemprego jovem muito elevado.

A verdade é que as necessidades de educação da sociedade estão a mudar rapidamente. Nesta revolução digital, para além da literacia e numeracia, vamos precisar mais do que nunca de desenvolver as competências humanas (sociais e emocionais), complementares da inteligência artificial: criatividade, resolução de problemas, comunicação, empatia, pensamento crítico, ética… Como sociedade, precisamos de diversidade de conhecimentos e competências, em vez do “one size fits all” da educação tradicional. E precisamos de educação ao longo da vida, estimulando a aquisição de novas aprendizagens, em vez de estudar até aos vinte e poucos anos e trabalhar até à reforma.

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Os formatos de educação que garantem o desenvolvimento das competências do futuro são experienciais e experimentais, personalizados e ao ritmo de cada um (self-paced), colaborativos e criativos, acessíveis e inclusivos, virados para o desenvolvimento de competências ao longo da vida. Porque só estes formatos preparam as pessoas para um futuro de mudança contínua, capazes de integração rápida em comunidades complexas à procura de soluções para problemas ainda não identificados. Aquilo que podemos resumir no conceito de “aprender a aprender”.

A tecnologia pode ajudar a esta transformação da educação – como se vê em exemplos como a Brave Generation Academy, o TUMO ou a escola 42. Não estamos nem a falar de aulas por zoom, nem apenas de aprendizagem de tecnologia, mas sim da tecnologia como motor de uma aprendizagem baseada na resolução de problemas e na colaboração entre pares, na linha da pedagogia construtivista de Jean Piaget, John Dewey, Maria Montessori, Lev Vygotsky, Jerome Bruner, entre tantos outros.

Estes novos formatos educativos ainda estão na sua infância. Vai ser possível em breve chegar mais longe ainda. Seja através da captação de dados em tempo real e do perfil do aluno, que permitem ajustamentos precisos da experiência de aprendizagem de cada um, potenciando a sua produtividade e impacto. Seja através da criação de ambientes de aprendizagem imersivos, com recurso a tecnologias de voz, realidade aumentada e virtual, jogos e simulação. Seja através do desenvolvimento de espaços flexíveis, interativos e criativos, que garantem maior eficácia, vontade de aprender e interação colaborativa.

Portugal tem uma oportunidade única de dar um salto da educação do século XVIII para o século XXI. Mas, para isso, temos de abrir espaço para a experimentação de novos formatos e para a entrada de novos players no campo da educação. Só com esses dois valores fundamentais, a inovação e a concorrência, podemos ambicionar chegar mais longe.

O Governo tem aqui um papel central, o de decidir hoje se quer que Portugal dê esse salto para o século XXI, ou se prefere que continuemos no século XVIII – não é fácil, mas temos muita gente empreendedora e com talento para ajudar.

Carlos Oliveira (Fundação José Neves)

Pedro Santa Clara (42 Lisboa e Porto, TUMO Portugal)

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.