O Presidente da República pediu que o Governo divulgasse antecipadamente o cenário macroeconómico que acompanhará o Orçamento do Estado para 2023. Marcelo Rebelo de Sousa pretendia que o Governo informasse os portugueses sobre o que podem esperar em 2023. É nos tempos de grande incerteza, quando é mais difícil fazer previsões, que mais precisamos delas.

Desde o apelo de Marcelo, soubemos que a Alemanha poderá estar a entrar em recessão, Vladimir Putin anunciou a anexação de 15% do território da Ucrânia e deixou ameaças veladas do uso de armas nucleares, e as duas mais importantes infraestruturas de transporte de gás da Rússia para a Europa foram seriamente danificadas.

Com a turbulência dos últimos meses a não dar sinal de apaziguamento o Governo deve apresentar um quadro macroeconómico que se baseie na melhor e mais atualizada informação disponível. O Orçamento do Estado para 2022, apresentado em abril, deverá falhar por muito os objetivos macroeconómicos. Em setembro, o Conselho de Finanças Públicas reviu em alta o crescimento do PIB para 6,7% (4,9% no OE apresentado em abril) e a taxa de inflação para 7,7% (4% no OE apresentado em abril). As previsões recentemente divulgadas para o crescimento do PIB da área do euro em 2023 (0,3%, OCDE) e os últimos dados da inflação de setembro (9,3%, INE) irão certamente influenciar o quadro macroeconómico.

Dada a incerteza que caracteriza a economia global, as previsões económicas devem ser analisadas com muita cautela. Como explicam Mervyn King e John Kay no livro Radical Uncertainty, num contexto de incerteza radical não só não sabemos o que vai acontecer, como não sabemos que tipo de eventos podem acontecer. É este o contexto em que vivemos.

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A incerteza na economia mundial tem vindo a aumentar. Em 2018, antes da pandemia Covid-19, os economistas Hites Ahir, Nicholas Bloom e David Furceri apresentaram um índice global de incerteza (WUI). Na apresentação do WUI, ainda antes da pandemia Covid-19, aqueles economistas destacavam o aumento significativo da incerteza na economia mundial desde 2012. Os dados confirmam que a última década se tornou muito mais volátil relativamente ao período anterior.

Na figura podemos ver os picos do índice global de incerteza, associados a eventos como a crise financeira internacional, a crise das dívidas soberanas na área do euro, o Brexit, as tensões comerciais entre os Estados-Unidos e a China, a pandemia Covid-19 e a guerra na Ucrânia. O índice será atualizado durante o mês de outubro e antecipa-se um novo pico.

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Em agosto, Isabel Schnabel, membro da Comissão Executiva do Banco Central Europeu, referiu-se aos tempos que vivemos como a Era da Volatilidade. Esta época contrasta com um longo período de estabilidade macroeconómica, muitas vezes designado como a Grande Moderação, que caracterizou as economias mais desenvolvidas entre meados dos anos 80 e a crise financeira internacional de 2008.

O desfecho da guerra na Ucrânia é imprevisível, o que torna os exercícios de previsão macroeconómica ainda mais complexos e as decisões de política económica muito difíceis. No entanto, há duas grandes consequências da guerra que exercerão uma grande influência sobre a evolução da economia europeia nos próximos anos: a desglobalização (decoupling) e a reconfiguração da rede energética europeia. Na Europa, a desglobalização será marcada pelo fim das relações comerciais com a Rússia e pela procura de maior autonomia na produção de bens considerados estratégicos, como as baterias ou semicondutores. Haverá também consequências para as relações com a China, nomeadamente para a nova rota da seda, a infraestrutura ferroviária que liga a China à Europa. A desglobalização vai aumentar os custos de produção e os preços.

Mas o factor determinante mais relevante para a evolução da economia europeia nos próximos anos será provavelmente a reconfiguração das fontes de abastecimento de energia. A Alemanha pensava ter resolvido o muito antigo problema de dependência externa do gás natural e do petróleo através das importações da Rússia. A invasão da Ucrânia pôs fim a essas fontes de abastecimento. A Europa tem agora de procurar alternativas no Médio Oriente, em África e nos Estados Unidos. Paralelamente tem de reforçar a produção de energias renováveis e, pelo menos no caso da França, também da energia nuclear. Esta reconfiguração vai exigir muitos biliões de euros de investimento e envolver muitos riscos de disrupção no abastecimento energético. Durante alguns anos os preços da energia deverão manter-se mais elevados.

Destas duas tendências podemos concluir que, embora se esperem valores mais baixos do que os registados em 2022, até porque a economia vai arrefecer, as pressões inflacionistas vão manter-se por algum tempo. E, por isso, também as taxas de juro deverão manter-se mais elevadas nos próximos anos.

Num contexto de grande volatilidade, os governos devem ser prudentes nas mudanças de política. A reação dos mercados ao anúncio do pacote de medidas temerário do governo inglês, liderado por Liz Truss, veio comprovar aquele princípio. Perante a magnitude da redução de impostos e do aumento da despesa para manter os preços da energia, e sem apresentar uma estratégia de médio e longo prazo para a sustentabilidade das finanças públicas, os investidores ficaram em pânico. O Banco de Inglaterra foi obrigado a intervir de urgência para proteger a libra e fundos de pensões, e a agência S&P ameaçou baixar o rating do Reino Unido. Esta mudança brusca de políticas pode custar muito caro às famílias e às empresas inglesas. E ao sector do turismo em Portugal.

Em tempos de grande incerteza, quando a visibilidade do caminho que percorremos é reduzida, é mais seguro darmos passos pequenos.