Numa altura de grande incerteza, com uma guerra que se agrava na Europa, com a inflação ainda a pressionar o custo de vida, as dificuldades no acesso à saúde e à habitação e o aumento das taxas de juro, é extraordinário que os portugueses, numa sondagem da Universidade Católica para o jornal Público e para a RTP, elejam o Governo e a governação como o principal problema do país. Sim, é verdade, os portugueses consideram o Governo um problema mais grave do que a inflação ou as taxas de juro. De facto, o Governo, embora ainda não tenha percebido que é um problema grave para o país, já percebeu que é ele próprio o seu maior problema.

No início de abril, escrevia nesta coluna sobre alguns resultados positivos da economia portuguesa, “apesar do descuido do governo em relação às condições de competitividade”. A dinâmica positiva da economia portuguesa, nomeadamente o desempenho das exportações, deve-se essencialmente à iniciativa das empresas. Estas têm hoje condições do ponto de vista da qualificação dos trabalhadores e gestores que permitem concorrer nos mercados internacionais. No entanto, a concorrência nos mercados internacionais depende de múltiplos fatores que compõem o ambiente económico onde as empresas atuam. No final de contas, o posicionamento internacional das economias depende da forma como se cuida desse ambiente económico. Ou seja, aquilo que o Governo faz, ou não faz, conta para os resultados económicos e para as condições de vida das pessoas.

No entanto, aquilo que vemos hoje acontecer não é o resultado do que o Governo faz ou não faz no presente. No desempenho da economia existe sempre um hiato temporal entre o que vemos, o que está de facto a acontecer na economia e aquilo que causou o que vemos. Esse hiato temporal é uma das maiores dificuldades que se colocam às decisões de política económica e à análise dos seus efeitos. Um dos exemplos mais interessantes destes hiatos temporais, com consequências políticas e económicas, foi o que aconteceu no ano de 2013, durante a intervenção da troika. O processo de correção dos desequilíbrios orçamentais estava a ser mais difícil do que o previsto, em parte porque a queda da receita fiscal foi mais profunda do que o planeado. Nessa altura conjugaram-se os efeitos muito negativos de três choques: elevadas taxas de juro, elevado preço do petróleo e uma crise grave em Espanha. O PIB tinha caído 4% em 2012 e em janeiro de 2013 o desemprego ultrapassou os 17%. O acórdão do Tribunal Constitucional de abril de 2013, que obrigou à reposição do subsídio de férias e de Natal, tornou a situação orçamental e política muito difícil, levando à demissão do ministro das finanças Vítor Gaspar. No entanto, quando Gaspar se demite, a economia já tinha entrado numa trajetória de recuperação. O ministro das finanças tinha sido bem-sucedido na sua tarefa hercúlea, mas não sabia. Não sabia porque não tinha ainda os dados que lhe permitissem fazer essa avaliação. Vítor Gaspar também não tinha a informação necessária para poder convencer a troika (e alguns membros do Governo!) que a economia estava já a iniciar a recuperação. De facto, o orçamento retificativo que apresentou e o Orçamento do Estado de 2014 podiam ter sido menos restritivos se houvesse informação em tempo real disponível sobre o estado da recuperação da economia. Todavia, em termos de erros de previsão sobre a evolução da economia e das finanças públicas, os governos de António Costa são imbatíveis.

Apesar do fraco crescimento na Área do Euro e dos riscos de recessão, os indicadores da economia portuguesa têm-se mostrado bastante resilientes. As boas perspetivas em termos de crescimento económico e orçamentais, associados à onda de fundos que se aproxima da economia portuguesa, antecipa um bom desempenho económico nos próximos anos. Essa parece ser a aposta de António Costa: desviar o olhar dos portugueses do Governo e focá-los nos números da economia. Os responsáveis da comunicação do Governo parecem querer imitar o estratega de Bill Clinton, James Carville, nas eleições de 1992, que colocou o foco da campanha para as eleições presidenciais no estado da economia. Nessa altura, uma recessão económica, provocada pelo choque petrolífero que resultou da invasão do Kuwait pelo Iraque, afetava os Estados Unidos. Os maus resultados económicos foram decisivos na derrota de George Bush, que em fevereiro de 1991 tinha a aprovação estratosférica de 89% dos americanos. Carville viu assim validada a sua estratégia eleitoral, resumida numa frase que se tornou mítica: “É a economia, estúpido”. De acordo com esta estratégia, no final de contas, o que determina o voto dos eleitores é o estado da economia.

A forma como António Costa tem desvalorizado os problemas da governação sugere que a sua estratégia eleitoral, como a de Bill Clinton em 1992, aposta tudo nos resultados da economia. Neste caso, espera que os bons resultados joguem a seu favor. No entanto, embora haja economia para além do Governo, este continua a ser muito importante para a vida das pessoas e das empresas. A incapacidade de resolver os problemas das pessoas reflete-se nos resultados da sondagem acima referida. A economia pode apresentar bons resultados, mas as pessoas exigem um Governo melhor. Quando o Governo é considerado um problema mais grave do que a inflação ou as taxas de juro dá vontade de dizer bem alto, para os partidos da oposição também ouvirem: “Não é só a economia, estúpido!”.

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