Este texto talvez nasça da minha necessidade de ajustar contas com o passado — com aquele rapaz desajeitado, de pernas longas, que nunca sabia como se sentar corretamente numa carteira, perdido nas escolas dos subúrbios, sem grande brilho, como os professores insistiam em apontar.

A obsessão pela disciplina, especialmente em contextos mais desfavorecidos, onde a ordem na sala parece ser a prioridade, pode sufocar a originalidade e a criatividade — elementos essenciais para o desenvolvimento tecnológico, económico e democrático de uma sociedade saudável.

Em Portugal, o sistema educativo tem sido tradicionalmente estruturado com uma forte ênfase em regras, disciplina e avaliações, numa abordagem frequentemente associada ao controlo e à padronização.

Além disso, a criatividade, muitas vezes vista como uma distração, acaba por ser secundarizada em prol do cumprimento de metas rígidas, resultando num ambiente que pouco fomenta o bem-estar dos alunos.

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Por exemplo, a recente recomendação do Ministério da Educação sobre a proibição do uso de telemóveis no 1.º e 2.º ciclos reflete essa mentalidade: a proibição ou regulamentação estrita do uso de tecnologia, sob a justificativa da disciplina, indica uma falta de aposta na inovação educativa.

Em vez de proibir dispositivos móveis, as escolas poderiam integrá-los de maneira construtiva, utilizando-os como ferramentas de aprendizagem.

Num cenário global, esta metodologia pode ser contraproducente, já que o desenvolvimento económico e social depende de mentes criativas e inovadoras. Por isso, gigantes tecnológicos como a Apple e a Google fazem da inovação uma das suas pedras basilares.

Países como a Finlândia, o Canadá e a Holanda demonstram que é possível seguir outro caminho.

Na Finlândia, o sistema educativo é considerado um dos mais avançados do mundo, priorizando o bem-estar e a autonomia dos estudantes. Não existem exames padronizados até ao final do ensino secundário, o que alivia a pressão e incentiva a exploração e o pensamento crítico.

De acordo com Pasi Sahlberg, especialista em educação finlandês, “menor foco em testes e mais tempo para a criatividade promove uma sociedade mais equilibrada e inovadora”.

Apesar das várias inovações, que incluem desde os alunos poderem estar descalços até menos horas de aulas, o sistema educacional finlandês não descura a qualidade e o rigor. Segundo dados oficiais, cerca de 93% dos alunos finlandeses terminam o ensino secundário, uma das taxas mais altas do mundo, superior à portuguesa (79%).

O modelo escandinavo prova, assim, que a elevada frequência de avaliações não é o único caminho para o sucesso escolar. Outro exemplo de sucesso é o modelo canadiano.

No Canadá, o foco na personalização da aprendizagem permite que os alunos explorem os seus interesses, fomentando uma relação positiva com a educação e promovendo uma mentalidade inovadora. As escolas canadianas incentivam o questionamento e a autonomia, resultando em cidadãos mais preparados para enfrentar os desafios da sociedade atual. A educação não se centra apenas num currículo rígido, mas na formação de cidadãos críticos e criativos.

Na Holanda, um dos pilares do sistema educativo é a flexibilidade. A educação holandesa permite que os alunos se especializem desde cedo, escolhendo caminhos que melhor se ajustem aos seus talentos e interesses. Este sistema encoraja a experimentação, o erro e o sucesso, criando um ambiente propício à inovação e à criatividade. Em vez de penalizar os erros, o sistema holandês incentiva o crescimento através deles. Ao contrastar esses modelos com o português, torna-se evidente que a escola pode ser mais do que uma entidade disciplinadora. Estudos do autor Ken Robinson, por exemplo, destacam que a criatividade é tão importante quanto a literacia, e que sistemas excessivamente rígidos podem sufocar essa capacidade.

Outro exemplo que ilustra bem a importância da comunidade escolar no desenvolvimento do aluno é o modelo norte-americano de desporto escolar.

Nos Estados Unidos, o desporto escolar vai muito além de uma simples atividade extracurricular: é um mecanismo de coesão social que desenvolve o espírito de equipa e constrói competências sociais. As escolas transformam-se em polos de união comunitária, e os alunos desenvolvem capacidades de liderança, disciplina e trabalho comunitário que transcendem o contexto académico.

No fundo, os países que promovem o bem-estar e a criatividade nos seus sistemas educativos mostram que a escola pode ser um local de descoberta e crescimento pessoal. Se Portugal deseja competir num mundo globalizado, é imperativo que reformule a sua abordagem educacional, priorizando o bem-estar e a criatividade.

A educação deve libertar, não prender.

Para mais insights sobre a importância da criatividade na educação, recomendo assistir ao TED Talk de Ken Robinson, intitulado “Do Schools Kill Creativity?”.