O que se passou recentemente com a cooptação de um juiz para o Tribunal Constitucional veio pôr a claro que urge alterar o processo de escolha dos seus membros. Um candidato a juiz, reputado jurista, prestigiado professor, membro do Conselho Superior da Magistratura, foi recusado por ser contra o aborto e contra a violação do segredo de justiça, e não por ser incompetente.

Foi desencadeada uma campanha, nunca vista, de difamação do candidato, com uma inusitada mediatização, numa clara tentativa de pressionar, e com sucesso, a decisão dos juízes do Tribunal contra a sua candidatura.

O que se passou suscita interrogações sérias sobre a independência da justiça, e sobre a clara tentativa, por parte de alguns sectores políticos, de subordinar o poder judicial, de acordo com critérios políticos. Mais: suscita apreensões sobre o pluralismo democrático, ao ser recusado um juiz pelas suas opiniões, sobre a liberdade de pensamento e de consciência, e sobre a representatividade dos vários sectores de opinião do país.

O Tribunal Constitucional tem, pela forma como são escolhidos os seus membros, uma composição excessivamente politizada. Dez dos seus treze juízes são escolhidos pelos partidos parlamentares, sendo apenas os outros três cooptados pelos primeiros. O Tribunal depende do parlamento, da negociação entre partidos, e muito dos partidos com maior representação parlamentar. A separação de poderes, a autonomia do poder judicial, fica deste modo seriamente comprometida.

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Como se tal não bastasse, o parlamento introduziu uma prática de audição dos possíveis candidatos por si designados, que constitui um processo de inquirição de opiniões e de posições morais, configurando uma forma de pressão sobre a liberdade de pensamento e sobre a imparcialidade dos juízes.

Porque razão, o supremo órgão do poder judicial em Portugal tem uma composição excepcional – “anómala” para citar Jorge Miranda –, diferente da dos demais Tribunais superiores? Porque têm os partidos e o parlamento um tal poder de influir na composição, e consequentemente, nas decisões do Tribunal Constitucional?

Não é de estranhar, nestas circunstâncias, que o Tribunal Constitucional assuma claros comportamentos políticos, como aconteceu, por exemplo, no tempo da intervenção da troika, onde se comportou, como dizia Jaime Gama, como se de Segunda Câmara se tratasse.

Se alguma intervenção se justifica, por parte de um órgão de soberania do sistema político, na designação de juízes do Tribunal Constitucional, ela deve pertencer ao Presidente da República, cujo desempenho se exige seja isento e imparcial, do ponto de vista partidário.

A maioria, porém, tal como noutros tribunais superiores, deveria ser designada pelo poder judicial.