“Se queres a paz, prepara a guerra” disse Vegetius, um romano do final do século IV. Claramente, é diferente liderar em tempo de paz ou em tempo de guerra. A questão é que as empresas que querem vencer estão em conflito permanente. Lutam pelos consumidores e clientes com propostas de valor, capital, know-how, logística, e tudo o mais que faça a diferença no ambiente competitivo. Ou seja, a estratégia das empresas está sempre em modo de ataque, ou o equivalente a dizer que “em tempo de guerra não se limpam armas”. E isso vale para todos os elementos das empresas, desde a liderança de topo, passando pelos gestores intermédios, até aos operacionais que fazem as coisas acontecer no terreno. Todos são importantes e todos tomam as suas decisões. Ora, sabendo que qualquer estratégia é um processo de decisão, a questão que quero levantar neste artigo é a da qualidade da informação subjacente, pois só as decisões esclarecidas têm sucesso.
Na prática, basta olhar para quem está a tomar uma qualquer decisão. Que informação e conhecimento estão disponíveis, ou seja, o que sabe essa pessoa ou conjunto de pessoas nesse preciso momento? Como é que essas informações são encontradas? Aparecem por acaso e só porque se está atento à comunicação social e a todos os outros canais disponíveis? Ou há alguma atitude proactiva em tentar encontrar essas mesmas informações? Além disso, quão afinada é a sua interpretação?
Em primeiro lugar, na verdade, a informação chega-nos sempre sob a forma de dados, e é o recipiente que os interpreta. Quantas vezes encontramos interpretações díspares, mesmo antagónicas, quanto aos dados disponíveis. Por exemplo, há quem acredite que as alterações climáticas estão a acontecer, mas também há quem acredite que é uma invenção chinesa. Há quem acredite na existência da COVID e no processo de vacinação, mas há quem pense que não passou de uma forma de controlo. Há quem acredite no sr. Q, ou seja, que uma boa parte da elite política mundial, nomeadamente nos EUA, é uma seita de pedófilos satânicos, mas também há quem acredite que todas essas informações não passam de uma forma de criar instabilidade social e de aproveitamento das comunidades visando o lucro. Os exemplos multiplicam-se, e estamos a falar exclusivamente de situações onde os dados abundam, na web, nas redes sociais e noutras fontes. Ora, com essa abundância, estaríamos eventualmente à espera de que o consenso da verdade apontasse num só sentido. Porém, a surpresa chega ao ponto de haver quem esteja disposto a matar num Estado livre por acreditar que o assassinato é permitido porque as suas informações se sobrepõem às regras de direito desse Estado. Qualquer comparação, aliás, com o 5 de janeiro de 2020 nos EUA não é pura coincidência.
Pois bem, para além destes exemplos mais genéricos, estão as decisões de todos os dias, e a questão é se o decisor estará suficientemente esclarecido para as tomar. E as empresas têm três forma de lidar com este problema: i) garantir o acesso aos dados relevantes para evitar pontos cegos, ii) diminuir o risco de uma interpretação superficial ou mesmo falaciosa desses mesmos dados, e iii) transformar com eficácia esses dados em conhecimento, num processo a que os anglo-saxónicos chama “insight”. Vamos discuti-los.
A importância estratégica da inteligência competitiva
Estar apenas atento ao que nos rodeia não é suficiente.
O livro supostamente escrito por Sun Tzu há cerca de 2500 anos, de nome, A Arte da Guerra, começa precisamente com a necessidade de se obterem informações como sustentáculo da sua metodologia estratégica. E o mesmo livro acaba com uma abordagem à utilização de agentes secretos. O tema é antigo e é a base da atuação militar com a chamada “consciência situacional” ou em inglês “situational awareness”. Porém, esta não faz parte das metodologias estratégicas habitualmente lecionadas nos MBA e praticadas nas empresas. E o risco é enorme, pois assim é comum desenvolver pontos cegos que escondem informações críticas do terreno, tão só porque estamos entretidos a digerir dados dispersos que nos chegam em quantidades exponencialmente crescentes.
A solução é a inteligência competitiva (IC), que é a metodologia mais avançada hoje na orquestração da aquisição proactiva e seletiva de informações nos vários canais de comunicação à nossa disposição. Quem aplica a IC de forma eficaz tem mais visão periférica e está mais consciente das informações que podem fazer a diferença, mesmo quando os seus sinais são fracos. Quem não a aplica, terá com certeza mais pontos cegos, o que é um risco, tendo em conta que o ambiente competitivo é intenso e dinâmico. É caso para perguntar se se acredita no “business as usual” ou no seu contrário. E isto leva diretamente ao próximo ponto.
Os enviesamentos cognitivos como barreira ao sucesso
As crenças contextualizam sempre todas as informações que nos chegam. É por isso os mesmos dados podem ser usados para demonstrar crenças opostas, como é o caso dos exemplos acima. A questão é como lidar com as crenças, pois estas fazem parte integrante da vida de cada um de nós. É que não é possível viver sem certezas, o que nos leva a considerar a desafiante linha do que é certo e do que é incerto. Vivemos dentro de casas porque acreditamos que os seus tetos não nos vão cair em cima. Andamos de avião com o mesmo tipo de certeza, pois se acreditarmos que vai cair, iremos claramente evitar a viagem. Mas as casas podem ruir, por exemplo com tremores de terra, e os aviões também podem cair. Quem dê mais valor a esses receios pode viver com menos risco, mas com certeza com mais limitações, e se a utilização dos meios em causa for estratégica, esta estará perdida à partida. Ora, as crenças têm origem na forma como incorporamos, ou interpretamos, os dados que nos chegam. Neste contexto, os desvios ao pensamento esclarecido têm o nome de enviesamentos cognitivos. Todos os temos em maior ou menor grau, pois as nossas vontades, as crenças desenvolvidas ao longo dos tempos, e até os nossos desejos secretos, acabam por espelhar a forma como vemos o mundo. Fazendo parte da nossa vida, seria até caso para dizer que não há nada a fazer, mas isso não é verdade. Certo é que não é possível demover ninguém das suas crenças com simples argumentações racionais. Certo é também que a violência sob a forma de comunicação não verbal, ou qualquer outra mais explícita, também não é eficaz. Então como atacar este problema?
Muitos têm experimentado a manipulação como a utilização de técnicas de liderança, de ”brain storming” conduzido, de programação neurolinguística tão querida no mundo dos serviços secretos, ou outras com diversos níveis de ética. Mas não é nenhuma dessas que quero discutir agora, até porque não há nenhuma razão para se entrar em opções menos éticas quando temos à nossa disposição uma alternativa inquestionável desse ponto de vista. Se o problema são os enviesamentos cognitivos, então é atacar o problema na sua raiz.
Para lidarmos com tais enviesamentos, primeiro temos de saber reconhecer que estes existem, quer em nós, quer nas pessoas que fazem parte do nosso círculo de interpretação ou de influência. Eu utilizo o modelo SEEDS (Similarity, Expedience, Experience, Distance, Safety). Com mais de 250 enviesamentos cognitivos identificados, este modelo ajuda-nos a classificá-los numa abordagem razoavelmente acessível. Basta cobrir a análise de forma suficiente para cada uma das cinco dimensões e com isso concluir sobre os enviesamentos mais importantes em cada situação. Aconselho a experimentar, pois é eficaz. Brilhante até. A sua discussão terá de ficar para um próximo artigo, pois este já vai longo.
Não resisto a referir a dificuldade em argumentar com pessoas que acreditam saber mais do que sabem de facto, num efeito conhecido por Dunning-Krueger. Sugiro também uma leitura sobre o assunto, pois é divertido. O que não é divertido é constatar que há mais pessoas a sofrer desse efeito que o desejável, muitas vezes à nossa volta. E uma das formas de identificar e lidar com o problema é precisamente com a utilização do modelo SEEDS.
A estratégia depende do conhecimento esclarecido
Finalmente, se (i) os dados disponíveis forem os relevantes a (ii) sua interpretação base permitir uma interpretação saudável em verdadeiras informações, mais não temos que (iii) as transformar em conhecimento.
O esclarecimento é um processo iterativo de geração de conhecimento a partir do conhecimento que vai sendo contruído. Só assim é possível contextualizar cada vez mais e melhor, e o que vale aqui é o próprio processo de aprendizagem. Chama-se aprender a aprender, ou aprendizagem de ciclo duplo, em inglês,” double loop learning”, mas dadas a restrições de espaço, a sua discussão também vai ter de ficar para um próximo artigo.