Uma experiência feita no FermiLab, um laboratório de Física de partículas nos Estados Unidos, confirmou uma pequena discrepância já previamente detectada entre os valores medidos e os calculados pela teoria mais avançada que temos da matéria, a teoria quântica de campo.

Há várias coisas extraordinárias nestes resultados que vale a pena sublinhar.

A primeira é que a probabilidade de esta medida ser um erro estatístico é de 1 em 100.000 e, mesmo assim, os físicos não acham suficiente para dar o assunto como certo. É verdade que ainda há que efectuar outras experiências em condições muito diversas para excluir erros experimentais sistemáticos.

Mas é de louvar o cuidado em não lançar falsos alarmes.

Depois, temos o extraordinário rigor tanto da teoria como da experiência.

O chamado Modelo Standard da Física de partículas prevê um valor (calculado pela teoria) de a = 0.00116591810(43) para a anomalia do factor g que se obtém pela expressão a = (g – 2)/2. Na prática, mede o desvio da constante g em relação ao valor 2, que é o que se obtém numa teoria quântica mais básica.

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O valor experimental obtido é a = 0.00116592061(41) em que o valor entre parêntesis indica o valor da incerteza. Portanto a diferença entre os cálculos teóricos mais avançados e a experiência é entre 0.00000001810 e 0.00000002061; é espantoso que se consiga calcular e medir uma grandeza física com essa precisão. E esta não é a grandeza física obtida com mais precisão; a mesma anomalia para o electrão, por exemplo, é 0.00115965218128 e a teoria bate certo com a experiência em todas essas casas decimais! É como medir (e calcular) o tamanho de uma mesa com uma precisão até ao centésimo do tamanho de um átomo!

Esta extraordinária capacidade de medir e calcular permite-nos, hoje em dia, elaborar dispositivos que verdadeiramente revolucionam o nosso modo de vida. Não são caprichos de uns cientistas a viver em mundos paralelos ao nosso. Por exemplo, montar a experiência que permitiu fazer estas medidas, que são notícia agora, implicou desenvolver muita tecnologia que mais tarde ou mais cedo chegará à nossa casa, ao automóvel, ao computador, ao telemóvel, aos aparelhos que avaliam a nossa saúde.

Outro aspecto a ressaltar é a engenhosidade dos cientistas para tentar encontrar alguma coisa nova no mundo que não seja explicada por uma teoria que tem demonstrado uma capacidade impressionante de prever com enorme precisão os fenómenos físicos. Sabemos que existem coisas que ela não inclui, como a matéria escura, e por isso devia falhar em alguma coisa; mas não falha. Este cálculo da anomalia do factor g envolve todas as partículas que existem; por isso, se o valor não bater certo com a experiência, é porque falta incluir nos cálculos partículas que não conhecemos. É uma ponta por onde se pode explorar o que falta no Modelo Standard. A diferença entre a teoria e a experiência já nos dará uma pista de por onde procurar coisas desconhecidas.

Então onde está a Física nova? De facto, a teoria, o método de cálculo, as leis não são alteradas por isso. Se aparecer uma ou mais partículas novas, simplesmente acrescentam-se às que já existem, com as suas propriedades, mas não há uma diferença fundamental no paradigma da teoria quântica de campo.

Agora, se se confirmar o desvio e não se encontrar nenhuma partícula nova que o explique, é porque há uma falha na teoria quântica de campo e isso pode implicar uma verdadeira mudança de paradigma. Por esta e muitas outras razões, estamos numa época formidável para quem se entusiasma com o conhecimento do nosso Universo.