A emergência climática e a perda acelerada de biodiversidade exigem ações concretas e eficazes para a proteção do meio ambiente. Mecanismos financeiros como os créditos de carbono e de biodiversidade, a partir dos designados “Projetos de Proteção Baseados na Natureza” (SbN), surgiram como ferramentas promissoras para incentivar a conservação e promover o desenvolvimento sustentável. No entanto, a falta de transparência e rigor na implementação e monitorização desses projetos tem levantado sérias dúvidas sobre a sua credibilidade e eficácia.

Um dos principais desafios reside na dificuldade de comprovar a adicionalidade dos projetos, ou seja, o impacto positivo que vai além do que ocorreria naturalmente sem a intervenção do projeto. A complexidade dos ecossistemas, a dificuldade em isolar o efeito do projeto de outros fatores externos e a possibilidade de manipulações de dados e greenwashing minam a confiança nesses mercados.

Para ultrapassar esses desafios, é necessária uma mudança de paradigma, por exemplo: a substituição do conceito de adicionalidade pelo de custódia. A custódia valoriza a proteção e manutenção do estoque de biodiversidade e ativos ambientais já existentes na área do projeto, em vez de olhar apenas para os resultados futuros e incertos. Esta abordagem oferece diversas vantagens, como a simplicidade e transparência do processo, facilitando a sua monitorização através de tecnologias de sensoriamento remoto, promovendo de forma mensurável e transparente, o incentivo da preservação a longo prazo.

A importância da desflorestação e degradação florestal destes biomas para a União Europeia 

A desflorestação e a degradação florestal são fenómenos de extrema importância para a União Europeia, não apenas pelos seus impactos ambientais diretos, mas também devido às implicações socioeconómicas e políticas. O Brasil, por exemplo, que abriga biomas importantes como a Amazónia, a Mata Atlântica e o Cerrado, é um dos principais exportadores de produtos agropecuários para a UE. A Comissão Europeia, ao preparar o Regulamento de Combate à Desflorestação e Degradação Florestal, reconheceu que a atividade agropecuária brasileira é a principal responsável pela desflorestação e degradação destes biomas.

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Conforme os dados mais recentes, a exportação de produtos agropecuários do Brasil para a União Europeia gera anualmente cerca de 17 bilhões de euros. Este fluxo comercial está associado a aproximadamente 144.000 hectares de florestas desflorestadas. Isso significa que, em termos simplificados, para cada 118 euros em produtos exportados para a UE, um hectare de floresta é desflorestado.

Esta interdependência revela a importância de políticas e regulamentações que garantam que os consumidores europeus não sejam cúmplices indiretos da desflorestação. A UE deve assegurar que as suas importações de produtos agropecuários não contribuam para a degradação ambiental de biomas de países terceiros, pois, ao afetar o clima global, esses impactos ambientais acabam por afetar todos, incluindo os cidadãos europeus. A proteção desses ecossistemas é, portanto, uma responsabilidade compartilhada e uma prioridade global, exigindo ferramentas e políticas que promovam a sustentabilidade e a preservação ambiental.

Um gigante ambiental diante de desafios colossais

O Brasil, detentor de uma riqueza natural inigualável, com biomas como a Amazónia, a Mata Atlântica e o Cerrado, enfrenta desafios importantes na implementação de projetos de créditos ambientais. A vastidão do território, a fragilidade dos sistemas de monitorização e fiscalização e a pressão económica sobre esses recursos naturais contribuem para a proliferação de irregularidades e fraudes.

A falta de um sistema robusto de monitorização e fiscalização tem permitido a ocorrência de práticas como a supervalorização e dupla contagem de créditos, o uso indevido de terras e a apresentação de relatórios falsificados. A inação do governo federal e a falta de coordenação entre os órgãos estaduais e municipais agravam ainda mais a situação.

Soluções para um futuro sustentável: da Custódia à Governança

A adoção da abordagem da custódia, com a quantificação e monitorização rigorosa do estoque de biodiversidade e ativos ambientais, pode representar uma solução e um passo importante para garantir a credibilidade e eficácia dos mercados ambientais no Brasil e noutras regiões que oferecem o mesmo potencial de risco.

Sempre e quando se altere o paradigma que está na origem do problema, a adicionalidade: a base de cálculo, a partir da qual se quantificam e certificam os efeitos positivos gerados, trocando por um novo conceito, capaz de eliminar a complexidade que está na origem da falta de transparência e da capacidade de fiscalização da mesma. Complementarmente, a implementação de sistemas de monitorização contínua, utilizando tecnologias de sensoriamento remoto e inteligência artificial, aliada a auditorias independentes e reavaliações periódicas, pode aumentar a transparência e reduzir o risco de fraudes.

Além disso, é fundamental fortalecer a governança ambiental, com a participação ativa da sociedade civil, do setor privado e dos órgãos governamentais. A criação de mecanismos de participação e controle social, o desenvolvimento de políticas públicas claras e a aplicação rigorosa da legislação ambiental são medidas essenciais para garantir a integridade dos mercados ambientais e a proteção efetiva dos seus ativos.

A transição da adicionalidade para a custódia representa uma oportunidade para o Brasil e outras regiões que apresentam o mesmo potencial e risco, construírem um mercado de créditos ambientais mais transparente, eficaz e alinhado com os seus compromissos de conservação da biodiversidade e combate às mudanças climáticas. Ao valorizar a proteção do património natural existente e facilitar a participação de todos os atores envolvidos, estas regiões e países podem liderar uma nova agenda global na implementação de soluções inovadoras para a sustentabilidade apoiadas em projetos de Soluções Baseadas na Natureza (SbN) beneficiando finalmente dos, há muito reclamados, fundos dos países doadores.

Referências: World Bank. “State and Trends of Carbon Pricing 2022”.  “Relatório sobre a integridade dos créditos de carbono no Brasil”.  “A farsa dos créditos de carbono”. Universidade de Oxford, “Avaliação crítica dos programas de compensação de carbono”.