Na Universidade do Algarve, fomos todos convocados pelos Serviços Técnicos, e nossas famílias, para participar na acção de voluntariado que teve lugar no passado sábado, de “limpeza de mato e recolha de material sólido combustível” no campus de Gambelas. “Material sólido combustível” – é assim que agora se designam as árvores e outra vegetação e seres que neles habitam. Pobre pinhal do campus de Gambelas!

As árvores arbustos e ervas que nos pedem para “limpar”, são parte de um ecossistema, têm variedade, albergam insectos, répteis e outros seres; as aves dependem da manta morta do solo, dos arbustos e das copas dos pinheiros para repouso e nidificar. As copas dos pinheiros reduzem a luz que limita a vegetação que cresce no solo. A manta morta que cobre o solo, é precisa para regenerar todo o sistema. Estamos na época do ano mais sensível para a procriação da maior parte destas espécies vegetais e animais, em particular as aves, que já começaram a construir os ninhos. O ruído invasivo das motosserras e roçadeiras que se tem ouvido nos últimos dias não deixa dúvidas sobre o que está a acontecer aos pinheiros e restante vegetação e seres que neles habitam e deles dependem. É a contribuição da Universidade do Algarve para o salvação da floresta em Portugal!

Um país cronicamente incapaz de prevenir fogos ao longo de décadas, vira-se agora com ferocidade contra a primeira vítima do fogo, a natureza, que por ser combustível e arder, tem que ser eliminada, mesmo que sejamos nós, incauta ou criminosamente, a atear 99 % dos fogos – se não houver vítima, não pode haver agressor ou agressão; se não houver combustível, não há combustão. Os nossos governantes podiam ter decretado acabar com o ar – porque sem oxigénio também não há combustão – mas como provavelmente têm conhecimentos de química iguais aos que têm sobre combate a incêndios florestais, lembraram-se de eliminar a vegetação em geral.

É surpreendente que a implementação da lei das limpezas de 2006 esteja a ser acatado de forma tão resignada pela população em geral, sem discussão ou questionamento sobre possíveis consequências e eficácia, nos meios de comunicação social. Há algumas, poucas, vozes dissonantes, mas não têm tempo de antena. Não sei se é menos ou mais surpreendente que a Universidade siga a passividade do resto da nação, mas é com certeza lamentável, porque as universidades, por vocação e missão, podem ser um dos últimos redutos de defesa da verdade, da liberdade de expressão, do esclarecimento e debate público de ideias e de independência do poder político.

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No campus de Gambelas, era de temer o pior, com aquilo a que se tem assistido desde 2013, quando os trabalhos de jardinagem, antigamente feitos por dois jardineiros do quadro, foram adjudicados à empresa Ferrovial na sua vertente de “valorização de resíduos sólidos”. Com efeito, a valorização foi só para a empresa, porque a Universidade ficou não só com o dobro dos custos, como ficou com os estragos irreversíveis causados pelas podas mutilantes dos pinheiros e o abate de exemplares saudáveis. E tudo isto feito sem qualquer respeito pelo calendário, sem lembrança das muitas aves que nidificam no campus na Primavera, sem qualquer consideração pelas práticas de boa poda, mesmo naqueles casos em que se justificavam cortes – muitos pinheiros “podados” já desenvolveram tumores provocados por rasgões no tronco, ou cortes feitos logo após chover.  Alguns ficaram com a copa ridiculamente reduzida, desventrada e totaltamente descompensada – o que resta são aleijões ou emaranhados de paus. Muitos, e há que incluir alguns plátanos, têm morte anunciada. Convém saber que estas práticas de desbaste radical, juntamente com perturbação das raízes, são a razão da morte e queda de muitas árvores. Uma árvore é um ser vivo!

Tal insensibilidade e ignorância espelham infelizmente aquilo que se vê por por todo o lado – as práticas de podas abusivas que lesam a estética e comprometem a viabiidade da árvore tornaram-se um cenário tristemente banal e aumentaram a ritmo alucinante nos últimos anos. Estas práticas, que em alguns países configuram crimes ambientais, mesmo quando perpretadas em terrenos privados, aqui são sempre justificadas por qualquer razão irracional e mesquinha, ou simplesmente, como se diz no Algarve, porque “as árvores querem-se cortas”. Não há travão ético, estético, nem legal, para refrear o apetite crescente por madeira e outros detritos vegetais, que é a verdadeira força motriz que impulsiona toda esta voracidade podadora recente. Árvores e restante vegetação são em geral vistas entre nós como um estorvo ou apêndice inútil da paisagem, mas – que azar para elas e demais criaturas que delas dependem – cada vez mais uma fonte de rendimento irresistível, desde a venda de madeiras nobres, que atingem no mercado centenas de euros por metro cúbico, como o plátano, o jacarandá ou o cedro, até à transformação para composto, pellets e afins, biogás e electricidade. Quando podar, desvastar, recolher, só dava trabalho e nenhum lucro, esses serviços eram realizados por funcionários camarários. Embora as atrocidades tivessem aumentado na razão da evolução das “tecnologias da poda” e diminuição da formação dos podadores, ainda ia havendo uma certa indiferença tolerante. Quando começaram a dar lucro, e muito, rapidamente os mesmos serviços passaram para as mãos de empresas privadas, e desde então, não há erva ou árvore centenária que não esteja à merçê dos exércitos de sapadores recrutados por estas empresas – mão de obra barata não falta e quanto mais energúmeros melhor.

A lei da limpeza de terrenos de 2006, tão precipitada e draconianamente implementada pelo governo com requintes inauditos de intimidação e ameaça, anunciada de forma atabalhoada, está a levar a atrocidadas que se podem ver por todo o lado. Quem tem um pedaço de terreno em volta da casa e aplicar a lei até 50 metros em redor de casa (100 metros de povoamentos), vai ficar a viver num semi-deserto. Os vizinhos têm que fazer o mesmo e o deserto alastra. Em zonas rurais as pessoas estão divididas entre sentimentos de ansiedade, medo, indignação, sabendo que façam o que façam, perdem sempre: porque não suportam os custos da limpeza, porque vão ter de escolher entre “fazer do coração tripas” e destruir elas próprias árvores e vegetação à volta da casa ou arriscar pagar a multa — o afastamento de mínimo de quatro metros entre copas e entre fachadas e copas vai eliminar mais de metade das árvores. O e-mail enviado pelas finanças avisa ameaçadoramente: “Se não o fizer até 15 de março, pode ser sujeito a processo de contraordenação. As coimas podem variar entre 140 a 5 mil euros, no caso de pessoa singular, e de 1500 a 60 mil euros, no caso de pessoas coletivas” e terá uma brigada sapadora enviada pela autarquia a entrar em casa e cortar o que quiser. Muitos proprietários nas zonas mais afectadas pelos incêndios já estão a vender os terrenos ao desbarato porque os lucros que extraem da terra não cobrem o que iriam ter que gastar em limpezas.

No caminho que faço diariamente para a Universidade, nas última semanas, foram reduzidas a tocos centenas de oliveiras e alfarrobeiras, muitas seculares, hectares de terreno  foram totalmente descarnados. A lei das limpezas veio apressar estas razias, que têm acontecido nos últimos anos devido a estar tudo à venda e os priprietários cortarem as árvores para lenha quando vendem os terrenos. Na vila de S. Brás de Alportel, as únicas árvores de grande porte que ainda não tinham sido decapitadas em espaço público, que eram oliveiras e alfarrobeiras, foram arrazadas há duas semanas, perto do quartel da GNR, para dar o exemplo aos munícipes. Em Espanha, onde as alfarrobeiras e oliveiras centenárias são protegidas por lei, a poda de UMA alfarrobeira centenária é notícia de jornal. Aqui, no barrocal algarvio, perante a indiferença de todos, as majestosas alfarrobeiras, que podiam ser o ex-libris do Algarve, têm sido dizimadas na última meia dúzia de anos. Com elas, há aves que vão desaparecer, como os papa-figos. São “árvores de grande porte” e como tal uma ameaça pública.

O ministro Cabrita está entusiasmado com a mobilização dos portugueses e com o que vê à sua volta – “e ainda temos até ao final de Maio”. A GNR já está no terreno para assinalar as situações de incumprimento e as multas vão começar a chegar, que têm agora o carácter de notificação dos proprietários para a limpeza, que se for feita até final de Maio anulam a multa. Supõe-se, o governo não esclareceu, que depois do final de Maio as autarquias tenham que avançar (até quando?), senão serão elas as multadas com perda de financiamento pelo governo central (o mesmo governo que quer descentralizar). Podemos esperar toda a sorte de arbitrariedades, confusões, guerras com as autoridades e entre vizinhos. “E tem mais”, avisou ameaçadoramente o primeiro-ministro Costa em Tondela – “as autarquias têm direito de tomar posse das terras e de se cobrarem pela venda do material lenhoso e exploração das terras”.

Vale a pena ver o vídeo da visita do primeiro-ministro, porque, ironicamente, nas casas ardidas por onde o primeiro-ministro Costa e sua comitiva passam, e onde faz o seu discurso, a única coisa que não ardeu foram as árvores e arbustos mesmo junto às paredes, que dão a única nota de vida e alegria num cenário devastado. Os telhados e o interior arderam, até o betão vergou – pelo que se depreende que o fogo deve ter vindo do ar, de algum eucaliptal ali perto. Como este ano o crescimento de pastos começou mais tarde, as limpezas que agora estão a ser feitas, com mais luz no chão sem a sombra das copas e arbustos cortados, com chuva, vão resultar num vigoroso crescimento de ervas que vai cobrir tudo e estar no ponto de palha em Julho. O rastilho perfeito para iniciar fogos. E quanta natureza vai ser destruída até lá, quantas árvores, quantas aves?

Tudo isto é de uma bestialidade impensável, uma violência que vai atingir economicamente muitas pessoas e que entra já na esfera da liberdade pessoal de cada um. Aplicada a lei, as casas que têm uma floresta a 50 metros vão ficar com um risco de incêndio pouco menor, as que não tinham uma floresta à volta, vão ficar no semi-deserto, e com o mesmo risco – é a lei absurdamente cega que trata todo o território como igual e que leva tudo à frente. Quem ganha – para já o governo, que assim se demite de qualquer responsabilização por fogos futuros (os malvados que não limparam os terrenos é que tiveram a culpa), as brigadas de desmatação que estão a aparecer como cogumelos e começaram a cobrar fortunas. O ministro Cabrita contrapõe que o lado positivo é que que se estão a criar muitos postos de trabalho! E podem ser permanentes, porque de agora em diante, como a natureza volta a crescer, não vamos parar de desmatar o ano inteiro.  Mas vai haver outros que vão ganhar muito com a lei, e disso pouco se fala.

A lei das limpezas que agora se invoca existir desde 2006, não foi criada para prevenir fogos. Foi criada para suportar a implementação de 15 centrais de biomassa destinadas à produção de electricidade, previstas no mesmo ano, quando foi lançado um concurso, na largada da grande corrida às renováveis promovida pelo governo Sócrates; implementação essa que não se concretizou, porque investimento, subsídios e potência de rede foram sugados pelo lobby das eólicas. Por esta razão a lei nunca foi cumprida, da mesma forma que no mesmo período nunca foram tomadas quaisquer medidas de prevenção de incêndios, por decreto ou outras. Aliás, nestes anos fez-se exactamente o contrário – o que restava da guarda florestal e postos de vigilância foi desmantelado por completo; não houve endurecimento na criminalização de incendiários ou actos negligentes; arranjou-se um calendário para a “época de fogos” de Julho a Setembro como a de banhos na praia, que se esperou que S. Pedro e os incendiários também seguissem.

À medida que se foi esgotando financiamento, subsídios, potência de rede disponível e sítios com muito vento para espetar ventoinhas (sem restrições de ordem paisagística ou ecológica), assim se foi refreando a fúria eólica. Mas cresceu a do solar, porque os painéis são já tão baratinhos, e o preço que pagamos pelo kWh é já tão elevado, que os investidores podem ter chorudos lucros cobrindo vastíssimas áreas com painéis fotovoltaicos, mesmo sem subsídios directos. É isso que estão a fazer e ainda mal começaram – a Sul, a cultura do painel solar vai rivalizar com a do betão, do eucalipto e da agro-indústria, no domínio da paisagem. Esta nova onda de investimento desenfreado tem uma dimensão e ímpeto nunca vistos – antes ainda se simulavam preocupações ambientais, agora até esses floreados se deixaram cair. Está a ser resolvido o problema, para todas as renováveis, do esgotamento da potência de rede – a electricidade tem que ir para algum lado onde seja gasta – com a abertura das ligações para França através dos Pirenéus e agora as subterrâneas para Marrocos. A Comissão Europeia vai financiar em força (nós também), voltou o investimento de bancos e fundos especulativos. Voltaram as grandes barragens (que o ministro Matos Fernandes diz não poder parar porque não há dinheiro para as indemnizações), avança a eólica para o mar, chegou finalmente a oportunidade de ouro para as centrais de biomassa em Portugal.

Os incêndios de 2017 deram o pretexto que faltava para resolver o grande problema dessas centrais, que as leis das limpezas de 2006/2009 e a Portaria de 2009, que permitiu a requisição de desempregados para a limpeza de florestas, não conseguiu resolver: garantir o fornecimento de matéria vegetal em quantidades colossais e de forma regular, a custo “sustentável” (o económico, não o ecológico), que depende de uma engrenagem de corte, recolha e transporte. O custo da matéria prima agora vai ser perto de zero para as empresas que a transformam – vamos todos contribuir directamente com a nossa cota parte de desmatação cega. Já não é necessário pensar em soluções geniais como a do sr. primeiro-ministro Costa (então candidato), que se lembrou que os refugiados podiam ir limpar as florestas para suprir a falta de mão de obra (eles devem ter ouvido e talvez por isso fujam todos mal chegam a Portugal).

A corrida aos lucros com os despojos do coberto vegetal de Portugal vai ser enorme – depois de termos o maior eucaliptal da Europa, e sermos já leaders na exportação de pellets (que são feitos em grande parte com madeira e não com desperdícios como se faz crer), até já ultrapassámos a Rússia, certamente vamos bater o record do kWh por m2 de território gerado com biomassa. Os interessados nesta biomassa toda, sempre os mesmos do costume, não se vão fazer rogados. Um comendador/comentador conhecido, ele próprio um arrivista das energias renováveis, dá uma ideia do que se poderá passar, na entrevista publicada na “Vida Rural” em Dezembro de 2010 — “A biomassa é o ovo de Colombo em Portugal”. Sobre os problemas que estas centrais levantam, ao nível da destruição de ecossistemas e conservação do solo, para não falar na mais que duvidosa “neutralidade” na produção de CO2, o pacote florestal do governo que contempla a criação de centrais de biomassa como medida essencial, nada refere.

A aplicação cega da lei das limpezas de 2006 tem um alcance mais largo: vem colmatar em parte o que a reforma das florestas aprovada em Julho passado no Parlamento, com base num pacote proposto pelo governo em 2016, não conseguiu — a criação de um “banco de terras” — que ficou de fora do pacote, e que provavelmente teria mesmo sido aprovada pela tal “geometria variável”, não fora a proximidade de eleições autárquicas (com retoques cosméticos, não faltará muito para ser aprovada, como aconteceu com a lei do financiamento dos partidos). Este banco de terras, que é dado como a grande solução para o ordenamento do território e desenvolvimento do meio rural e do interior em particular, vai reunir terrenos privados sem dono, terrenos rústicos do estado, terrenos de que o estado toma posse por incumprimento de leis de manutenção, terrenos que o estado compra a privados com as receitas das vendas dos primeiros. Na revenda a privados, no caso de “património com vocação florestal”, as parcelas “deverão integrar uma área mínima de 100 hectares, da qual pelo menos 50% deverá ser constituída por propriedades com área inferior a 5 hectares”. Para a “agricultura”, vai ser dada preferência a jovens e desempregados! Todos os portugueses deviam ler com atenção estas propostas. Significam a maior mudança de mãos de terra que aconteceu em Portugal por decreto, desde a confiscação dos bens da coroa e ordens religiosas em 1834 – há duzentos anos, a venda dos bens nacionais promovida pelo governo liberal pretendia ser a redistribuição, por intermédio do Estado, de uma enorme riqueza, que iria impulsionar a classe média e o progresso de Portugal. Ao contrário do que aconteceu em França, em Portugal a riqueza acabou por ficar concentrada nas mãos de alguns que já tinham muito e mais uns quantos na órbita do poder político – ficaram com a alcunha dos “devoristas”. Portugal continuou no mais deprimente atraso e o progresso foi adiado. No Estado Novo, a plantação de pinheiro bravo e eucalipto também era a grande oportunidade de desenvolvimento do interior – deu no que deu.

O ministro Capoulas Santos anuncia agora, em primeira mão, a criação de uma “Nova Empresa Pública de Desenvolvimento e Gestão Florestal” que vai procurar identificar os prédios rústicos para arrendamento e garantir um rendimento anual aos proprietários, sobretudo “pessoas mais idosas”. Não disse em que moldes e com que critérios isso vai se feito. Mas parece ter pressa – é uma “questão de semanas”, afirma. Trata-se do plano B do banco de terras que foi chumbado pelo Parlamento em Julho? O ministro, que não conseguiu disfarçar o desconcerto que teve com o chumbo, avisou logo — “o Código Civil permitir-nos-á contornar o banco de terras”. Com banco ou sem banco, em áreas florestais, o Estado poderá tomar posse de terrenos abandonados, ou desenquadrados da vocação florestal. E como vai o governo convencer os agricultores idosos donos de terrenos rústicos, e os que não são idosos, a passarem a gestão das suas propriedades para a nova Empresa Pública? Ainda há uma esperança — poderá recorrer a “elementos dispersos da legislação”. Como a lei das limpezas?

Esta reforma das florestas parece feita à medida das ambições das indústrias do papel. O banco de terras, ou seu substituto, era a oportunidade para o estado impor áreas de floresta autóctone, floresta a sério — não se vislumbra essa intenção nas propostas do governo. Pelo contrário, pretendem aumentar a produção de eucalipto, tirando eucaliptal onde a produção não é rentável e plantando em terrenos mais produtivos que antes não tinham eucalipto – assim não se aumenta a área (mas também não se diminui). Quando se cortam eucaliptos, eles voltam a crescer sozinhos com o dobro da força – o que vai acontecer a estes ex-eucaliptais, que deixaram o solo arruinado? E que novos terrenos produtivos vão ser eucaliptados? O anterior governo queria pôr mais eucaliptos no Alentejo e regá-los com água do Alqueva. A lei que liberalizou a plantação de eucalipto em 2013, e que podia ter sido revogada em 2015, não foi – hipocritamente anunciou-se que iria ser, um dia. Foi agora, em Fevereiro deste ano. A corrida ao eucalipto disparou e foram plantados mais eucaliptos nestes dois anos do que nos dois anos após a lei ser aprovada. Sobre isto, em Novembro passado, o ministro Capoulas Santos desculpa-se com: “Roma e Pavia não se fizeram num dia”.

O mesmo ministro que dizia, entre os dois grandes fogos de 2017, que o governo fez o que poderá ser “a maior revolução que a floresta conheceu desde os tempos de D. Dinis”. O que aconteceu em Outubro deu-lhe razão… A poderosa indústria do papel lançou nos jornais uma fortíssima campanha publicitária paga (e outra aparentemente não-paga) quando o pacote da reforma da floresta foi anunciado, pondo-se no papel de virgem ofendida e alegando que estava a ser diabolizada, quando na verdade deve ter esfregado as mãos de contente com a reforma anunciada. Mais pareceu uma manobra coordenada entre as indústrias da celulose e o ministro Capoulas Santos: uns podem plantar mais eucaliptos, os outros podem simular que querem reduzir a sua plantação.

É bom lembrar que Portugal continental tem a quinta maior área absoluta de eucalipto no mundo, a seguir, à China, Brasil, Austrália e Índia, que têm 104, 92, 84 e 32 vezes a área de Portugal. Dos 22 milhões de hectares de área de eucalipto no mundo, Portugal tem quase 1 milhão – é a maior densidade de eucalipto do mundo. Comparativamente a Espanha, que tem características climáticas e de relevo do solo semelhantes a Portugal, e tendo em conta a diferença de tamanho do território, em Portugal a percentagem de área ardida em 2017 foi 25 vezes superior à que foi em Espanha. Por coincidência ou não, a densidade de eucalipto em Portugal, a maior do mundo, é 21 vezes maior que a de Espanha. Será que em Espanha não há alterações climáticas? Mas Espanha também leva o combate a incêndios muito mais a sério, sobretudo na prevenção, onde investe o triplo do que investe em combate, ao contrário de Portugal. O nosso governo em vez de produzir leis absurdas podia ir a Espanha ver o que exactamente lá se faz, que é o que o senso comum e observação da realidade mandam (bastava ler os elucidativos artigos publicados no “El País” sobre os fogos em Portugal).

Se uma pequena parcela do esforço intimidatório que está a ser exercido sobre todos os proprietários, fosse dirigido aos que fazem queimadas indevidas e aos incendiários, é possível que houvesse menos fogos este ano. Prefere-se atribuir às alterações climáticas e fenómenos estranhos a ocorrência de 542 fogos num só dia. Perseguir os incendiários não daria tanto lucro, nem tantos empregos, como dão as consequências da não-aplicação da lei das limpezas.

O ministro Capoulas Santos declarou há dias que esta é a maior operação de limpeza de floresta “em 800 anos de história”.

Em 1958, na China, o grande leader Mao Tse-Tung convocou toda a nação para erradicar a praga dos pardais, que roubavam cereais das colheitas e estavam a prejudicar o progresso económico da China – foi a grande campanha dos pardais. Os cidadãos chineses mobilizaram-se massivamente e durante dias vieram para o campo e bateram em tambores, em tachos e panelas o mais que puderam para aterrorizar os pardais e impedi-los de poisarem, até caírem mortos de exaustão. Outros foram mortos a tiro, os ninhos foram destruídos. Foram exterminados centenas de milhões de pássaros.  As consequências do sucesso da campanha tornaram-se evidentes em 1960. Os pássaros não comiam só cereais, também comiam insectos. Sem pássaros os insectos proliferaram e destruíram as colheitas. Dezenas de milhões de pessoas morreram à fome.

Como disse Henry Thoreau, filósofo e naturalista americano, “qualquer idiota pode fazer uma regra e qualquer idiota a seguirá”.

Avancemos, pois, com a roçadeira e a motosserra!