A discussão do tema da imigração na Europa não é nova. Nada é mais efetivo do que utilizar forasteiros para mexer com a bílis e os piores sentimentos das pessoas, como forma de as galvanizar com um propósito específico. Os problemas associados à imigração são há vários anos utilizados por populistas como forma de aumentar o seu poder, aproveitando-se do descontentamento da população.

As grandes ondas de migração, principalmente do continente africano, aumentaram muito nos últimos anos e têm várias origens e causas. Primeiramente, os conflitos no Médio Oriente e norte de África, que foram especialmente agravados após o 11 de Setembro, como os casos do Iraque, da Líbia e da Síria, aumentaram em muito os corredores de refugiados e novos migrantes à procura de uma vida melhor. Em segunda medida, as viagens internacionais são cada vez mais facilitadas, não só pelas melhorias nas infraestruturas, como pelo aumento do poder de compra, mesmo nos países em desenvolvimento. Este último factor é observável não apenas nas migrações de África para a Europa, mas também da América latina para os EUA ou o Canadá.

Este aumento dos fluxos migratórios e a consequente ausência de uma gestão razoável dos mesmos, permitiu todas as atrocidades que observamos nos últimos anos, como os afogamentos no Mar Mediterrâneo ou os casos de tráfico humano. O aumento de imigrantes a viver em situação de sem abrigo nas cidades europeias, muitos não documentados, também é uma realidade crescente. 2023 foi mesmo o ano com o maior registo de travessias irregulares para a UE, desde 2016, com quase 400.000 casos. Enquanto as pressões geopolíticas, económicas e também climáticas se vão adensando, é natural que estes fluxos tenham tendência para aumentar. Com esses aumentos crescem os medos dos movimentos populistas, que aqui gostaria de incluir não apenas os de extrema-direita, mas todos os restantes que contribuem para a dificuldade de estabelecer decisões com base em políticas públicas razoáveis.

Antes de discutir os problemas sociais do aumento dos fluxos migratórios, há que perceber que a UE tem um problema económico que faz com que os imigrantes sejam os principais candidatos a arcar com as culpas. Existe sempre a tendência de procura por bodes expiatórios ou respostas simples para problemas complexos e este caso não é diferente. Há que resolver o problema do empobrecimento das classes médias da Europa, da diminuição do poder de compra e também da integração dos jovens nas economias. Nesta questão penso que é essencial repensar o projecto europeu e entender a razão pela qual estamos a ver a economia europeia a perder peso em relação a outras grandes económicas, como é o caso dos EUA ou da China. A UE nunca recuperou verdadeiramente do colapso financeiro de há 15 anos atrás, sendo importante perceber a base do problema.

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A questão migratória irá sempre ser explorada por forças populistas, acompanhada com o argumento da degradação das condições económicas dos nativos (temos de tratar dos nossos primeiro). Por outro lado, a gestão destes fluxos não é fácil nem está a ser correspondida com políticas públicas consistentes. Mesmo dentro da UE existem países com diferentes opiniões e políticas relativamente à imigração. Isso cria fricção e adensa o problema.

As políticas para a imigração têm de ser justas, compreensíveis, razoáveis e com base no Estado de Direito, tal como qualquer política pública. Têm de estar articuladas com as necessidades de cada país, cada sector económico, mas ao mesmo tempo, têm de ser humanistas. A integração é central, existindo bons e maus exemplos na Europa. Não podemos desconsiderar as diferenças culturais imensas que existem em determinados tipos de imigrantes, sendo que os custos e a complexidade dessa integração serão muito mais avultados.

Isto significa que a política migratória na UE deverá ser bem delineada e global, ou iremos ter mais mau exemplos para poderem ser explorados por quem assim o entender. De um lado temos as forças populistas que demonizam os imigrantes, e do outro, forças populistas que desconsideram os problemas. Estes últimos, apesar de terem normalmente menor repreensão, são também destabilizadores. Acreditem que designar um imigrante de ilegal ou não documentado não acrescenta muito à resolução dos problemas, algo que qualquer tribunal ou jurista poderá facilmente explicar.

Uma coisa podemos ter a certeza, os fluxos migratórios vão continuar a aumentar e não será possível inverter. Não será possível a Europa receber e gerir todos estes fluxos e por isso, a UE não poderá estar só preocupada na questão das suas políticas internas, mas também, em procurar ser construtiva e assertiva na estabilização das regiões vizinhas, como é o caso do Médio Oriente e o Magrebe. Só teremos a ganhar no desenvolvimento sustentável dessas regiões, sendo que não nos podemos esquecer que a grande maioria das pessoas não deixa a sua casa e familia porque quer, mas sim por extrema necessidade.