As migrações não são um fenómeno novo em Portugal. Com efeito, no nosso território, este fenómeno sempre foi comum tendo-se registado várias vagas migratórias: Desde os primeiros neandertais que devem ter chegado há cerca de 400 mil anos, sendo substituídos pelos Cro-Magnon há 40 mil anos atrás. Seguiram-se os colonos romanos, após os quais chegaram os suevos no século V, os visigodos no VI, os muçulmanos a partir do século VIII e os judeus (que vieram com Roma) mas que foram reforçados durante a ocupação muçulmana.

Na época moderna registam-se também várias migrações: do Brasil depois da sua independência em 1822, de espanhóis (muitos galegos) no século XIX e depois da Guerra Civil, fugindo da repressão franquista.
A partir da década de 1970 Portugal conheceu o começo das migrações dos povos das suas ex-colónias e a partir de 1986 registou-se o afluxo de alguns imigrantes do norte da Europa, sobretudo para o Algarve.

A imigração do Brasil – que está agora no ritmo mais intenso de sempre – começou numa primeira vaga entre 1970 e 1990 mas alcançou o ritmo mais alto desde 2000 com 2008, com o número mais elevado de 105.345 entradas, mantendo uma média de entradas entre 2000 e 2022 foi de 58.440 entradas.

Actualmente, quase 800 mil estrangeiros vivem em Portugal e 30% dos quais são brasileiros. No final de 2022, viviam em Portugal 239.744 brasileiros. Seguem-se cidadãos do Reino Unido e de Cabo Verde, de acordo com relatório do SEF de Junho de 2023. Mais recentemente, desde que a situação socioeconómica na Venezuela registou-se também um grande número de imigrantes desta nacionalidade, muitos dos quais lusodescendentes. A imigração chinesa continua a ser pouco significativa, e a ucraniana depois de, antes da invasão da Rússia ter sido de 27.200 ucranianos, terá agora duplicado.

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Segundo a Pordata, residiam no país 798.480 cidadãos estrangeiros no final de 2023, mais 12,4% do que em 2021, quando viviam em território nacional 710.469. O aumento da população estrangeira é um fenómeno que se verifica desde 2016, altura em que os números estavam abaixo das 400 mil pessoas.

A imigração tem um impacto significativo na sociedade portuguesa, contribuindo para o crescimento da população, para a diversificação cultural e para a dinamização da economia.

1. As Tempestades Cruzadas:
Um dos campos mais férteis para o crescimento do Populismo em Portugal é aquele que cruza a temática da imigração com a da habitação. É nesse campo – muito minado – que se encontra o crescimento da votação do Chega entre o eleitorado mais jovem e a grave crise de representação dos partidos tradicionais entre este eleitorado (estima-se que apenas 6% dos actuais eleitores do PS sejam “jovens”). Por um lado, a crise na habitação com a explosão dos preços e a estagnação da construção (que nunca recuperou da crise de 2008 e do desaparecimento de muitas pequenas empresas de construção civil), o desvio de largos milhares de casas para o Alojamento Local (AL) e o aumento dos preços criado pela globalização do imobiliário através da tríplice pressão dos Vistos Gold, dos Residentes Não Habituais e dos Nómadas Digitais retirou o acesso à habitação a muitos jovens que assim vêm as suas vidas adiadas ou são obrigados a emigrar. Por outro lado, o afluxo de imigrantes nos últimos dez anos pressionou para baixo os salários nos sectores menos especializados (sobretudo nos ligados ao turismo) e até nos sectores com remunerações mais elevadas (medicina e IT: entre outros) onde a competição dos imigrantes de Leste e, sobretudo, do Brasil, mais pressionou para baixo esses salários.
É importante também não esquecer o peso da burocracia e a lentidão e ineficiência do sistema de Justiça no que respeita à resolução de conflitos. Actualmente, para construir uma casa, não é raro ter que pagar (e esperar) pela resolução de mais de duas dezenas de processos diferentes para construir ou reabilitar uma ruína sendo que de permeio temos que lidar com autocratas totalitários embriagados na discricionariedade dos seus pequenos poderes. Por seu lado, o IMI de casas devolutas continua muito abaixo do valor social da habitação e é difícil e raramente aplicado pelas autarquias locais por alegada “falta de meios” ou de disponibilidade mental ou política para a acção.
Perante este cruzamento de tempestades: estagnação da oferta, desvio para o AL e competição com imigrantes por um stock cada vez mais reduzido de habitações era inevitável que Portugal se tornasse num dos países da União Europeia onde a situação na habitação é mais grave. É certo que a imigração é um fenómeno global com um impacto significativo no mercado de habitação, que não é exclusivo de Portugal e que o discurso e as políticas que a visam travar, reduzir ou até conter estão condenadas ao fracasso.

3. A Imigração é Boa e Necessária:
O aumento da imigração na Europa é necessário porque a população europeia está envelhecida e Portugal (e Lisboa) é um dos países mais envelhecidos da União tendo, de acordo com o Eurostat, em 2023, a maior proporção de população com 65 anos ou mais (23,2%), atrás apenas da Itália (23,6%) e da Grécia (23,4%). Apesar das melhorias ligeiras dos últimos anos continuamos a ter uma baixa taxa de natalidade, abaixo do nível de reposição populacional (2,1 filhos por mulher) e isto desde há várias décadas (em 2023, a taxa de natalidade era de 1,29 filhos por mulher). O aumento (positivo) da esperança de vida em Portugal representa outra necessidade porque aumenta a procura por cuidadores e existe actualmente uma grande carência de pessoal qualificado para esse sector que apenas a imigração pode – no curto prazo – colmatar.
A imigração é também a forma mais rápida de compensar a emigração de jovens portugueses para outros países da Europa, de manter níveis mínimos de saúde financeira dos sistemas de saúde e segurança social respondendo assim ao aumento da procura por serviços de saúde e segurança social e, naturalmente, para manter a funcionar sectores estratégicos (como o turismo, a IT e agricultura) da nossa economia.
Se por um lado não podemos viver – no curto prazo – sem imigração. Não podemos também continuar a viver na habitação com os actuais níveis de crise. O crescimento (necessário) da imigração coloca desafios ao acesso à habitação digna e acessível para todos e, a este respeito, há que tomar medidas – a nível autárquico – que regulem e combatam a informalidade dos contratos de arrendamento e a sobrelotação imobiliária.

3. Aumento da procura por habitação especialmente em zonas com maior concentração de imigrantes:
A concentração de imigrantes nos grandes centros populacionais é um padrão recorrente em muitos países do mundo: Portugal não é, a este respeito, excepção. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), Lisboa tem, uma população residente de 545.923 habitantes dos quais 108.894, são cidadãos estrangeiros (um pouco menos de 20% do total). Por outro lado, se contabilizamos todo o distrito de Lisboa encontramos 294.736 cidadãos de nacionalidade estrangeira. Isto significa que esta população – que carece de habitação e que vive muitas vezes em más condições (de sobrelotação, arrendamento ilegal e em más condições) não só por receio de denúncia por senhorios mal intencionados quer porque as condições de vida nos países de origem ainda eram piores é um factor de pressão sobre os preços do imobiliário. Se mais 20% da população disputa ao lado dos naturais um stock habitacional que se reduz e é desviado para outros usos isso só pode ter um impacto no aumento dos preços.
Essa disputa constitui também um factor de tensão racial porque muita população percepciona (de forma não totalmente incorrecta) os imigrantes como concorrentes dispostos a pagarem mais (coabitando, por exemplo, em grupos de 10 ou 12 pessoas por cada) e a suportarem piores condições pelo mesmo preço.
É preciso também sublinhar que a população imigrante tende a ter dificuldades de acesso à informação sobre o mercado de habitação e os seus direitos, o que agrava ainda mais a situação.

4. Reclamações contra nómadas digitais em Lisboa:
Há cada vez mais queixas contra turistas e nómadas digitais em Lisboa. Alguns consideram que estes grupos contribuem para o aumento do preço das casas e que mudam a dinâmica da cidade. No entanto, esta visão é simplista e aponta culpados indevidamente.
Não podemos esquecer o contributo económico significativo dos turistas e nómadas digitais para Lisboa. Sem a sua presença, a cidade enfrentaria maiores desafios económicos. Além disso, a falta de acessibilidade da habitação não é um fenómeno novo causado pela chegada destes grupos. Mesmo antes de Lisboa se tornar um destino popular, os salários locais já eram desproporcionalmente baixos em relação ao custo de vida, agravado pelas elevadas taxas de IVA do governo.
É verdade que se trata de uma questão complexa com muitas causas e ramificações, não podendo ser atribuída a um único factor. No entanto, a turistificação e a gentrificação associadas a turistas, nómadas digitais e expatriados são reais e ignorar o seu impacto é desonesto.
Mas também não devemos sobrevalorizar a teoria económica que defende que indivíduos ricos criam uma economia dinâmica ao gastarem o seu dinheiro, partilhando-o indiretamente com todos, não se aplica à situação atual. Um engenheiro de software nómada digital não cria valor para Portugal, mas sim para a empresa estrangeira para a qual trabalha. O seu país de origem beneficia ao ter engenheiros que criam produtos de alto valor, permitindo-lhe vender bens de alto valor e tornar-se líder de mercado, aumentando os salários. Em Portugal, a sua contribuição resume-se, em grande parte, ao estímulo da economia do turismo, que não gera bens de alto valor e cria principalmente empregos mal remunerados, como garçons em cafés.
Em Portugal 40% dos trabalhadores ganham menos de 1000€ por mês e a classe média aufere cerca de 1500€ mensais. Os mais abastados, recebem com salários superiores a 3000€. Ou seja, a classe alta ganha 3 vezes mais que a mais pobre e o dobro da classe média. Se a esta equação somarmos os Nómadas Digitais temos uma nova classe que ganha mais de 5000€ por mês e, subitamente, a classe mais pobre passa a ganhar 5 vezes menos que a mais rica e a diferença entre a classe média e a mais pobre diminui. A antiga classe alta torna-se na nova classe média. Ao haver uma entrada de pessoas mais ricas, as outras classes são comprimidas. O preço dos restaurantes e da habitação sobem para servir a nova classe média. E os moradores sentem-se como intrusos na sua própria terra, porque os serviços se adaptam a esta nova classe com salários externos, que pouco contribuem para fortalecer a economia local.
Embora as redes sociais criem bolhas e possam dar a entender que os expatriados são os únicos culpados, não tenho dúvidas de que os Nómadas Digitais contribuem para o problema do aumento do preço da habitação.

4. Acessibilidade:
O problema da habitação não é um problema exclusivamente português. A questão é central e grave em praticamente todos os países europeus e mesmo na Alemanha, por exemplo, é um dos países onde os preços são mais baixos, mas falando com alemães constatamos rapidamente que também eles se queixam do problema. Em Berlim o salário mínimo ronda os 2 mil euros mas a média de arrendamentos é de 1300. Por seu lado, em Lisboa o salário mínimo é 800 euros e a média de arrendamentos igual à de Berlim…

5. Turismo em Portugal – Impacto nos Moradores:
Portugal precisa do turismo. No entanto, antigamente, os moradores viviam a sua vida e os turistas visitavam o país, havendo um equilíbrio. Agora, bairros inteiros estão voltados para estrangeiros. No Algarve, 80% das casas são compradas por estrangeiros que dispõem de maior poder de compra e contribuem para a subida dos preços. Cerca de 90% do dinheiro dos Vistos Gold foi investido em imobiliário, com casas compradas a um preço médio de 414.000€ (143% a mais do que os residentes). Além disso, os estrangeiros tendem a comprar nas mesmas zonas, concentrando o efeito… que muitas vezes coincide com as áreas onde há trabalho e onde os moradores precisam de viver. Os portugueses precisam de morar em Lisboa porque é lá que se encontram a maioria dos empregos qualificados. Não se pode ser consultor de negócios no Alentejo.

5. Soluções para a Crise da Habitação:
Em primeiro lugar não acredito que o “mercado” consiga resolver o problema do alojamento suficiente e condigno para todos os imigrantes. A este respeito, como noutros, acredito na importância da função regulatória do Estado e que os mecanismos que liberalização total ou parcial dos fluxos migratórios devem ser regulados em função das necessidades do país por função ou tipologia profissional e das capacidades demográficas por região e dos alojamentos disponíveis.
Em segundo lugar acredito que é imperativo reformar os programas de construção de nova oferta de habitação social através da construção de mais habitação social a preços acessíveis usando o modelo do arrendamento público, com construção pelo Estado central (escala), gestão pelos municípios (proximidade) e apoio à construção por privados e cooperativas de habitação.
Em terceiro lugar, a Habitação é uma forma de promover a inclusão social e a habitação pública combate a discriminação no mercado de arrendamento e promove a inclusão social dos imigrantes.
Em quarto lugar as autarquias locais e, muito especificamente, as juntas de freguesia devem disponibilizar informação sobre o mercado de habitação em várias línguas e contactar de forma proactiva as comunidades migrantes que residem na sua periferia.
Em quinto lugar, o Estado central deve criar formas de impedir que a Banca dificulte o acesso ao crédito para habitação para imigrantes.

6. Conclusão:
A imigração é uma oportunidade para Portugal, mas exige respostas adequadas que devem conciliar um esforço conjunto do governo central e autarquias, das entidades públicas e privadas, da sociedade civil e ser transversal às várias forças políticas com assento parlamentar para garantir o acesso à habitação digna e acessível para todos.
Seja como for, no que respeita à imigração não iremos – nunca – voltar a uma sociedade pré-2018. Muitas centenas de milhar de pessoas venderam tudo e mudaram-se para Portugal e que, a menos que embarquemos num perigoso processo de expulsão e essas pessoas não vão desaparecer sem um genocídio ou uma guerra.
Embora alguns argumentem que culpar os estrangeiros pela crise é uma simplificação excessiva, a sua presença contribui indubitavelmente para a procura de habitação e pode exacerbar as desigualdades existentes. Além disso, os edifícios abandonados, embora potencialmente ofereçam soluções, colocam desafios de propriedade e jurídicos para a reabilitação.

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