É impossível saber exactamente quantos cidadãos brasileiros vivem hoje em Portugal mas estimava-se, em junho de 2023, que dos 800 mil estrangeiros que vivem em Portugal, um terço fosse composto por imigrantes brasileiros, ou seja, algo em torno dos 240 mil. A este número há que somar os muitos milhares com dupla nacionalidade e aqueles que, estando com visto de turista, acabarão por ficar entre nós a viver e a trabalhar. Se tivermos em conta que estes imigrantes trabalham sobretudo em Lisboa e muitos no retalho e na área da restauração e que a maioria está em idade laboral isto intensifica a percepção de que existe uma “invasão” brasileira em Portugal e em particular em Lisboa.

Perante esta “invasão” os populistas de direita exultam e imitam os seus congéneres europeus e clamam pelos riscos para a sociedade, para a segurança pública e para a perda de emprego. Lá fora, de facto, a imigração foi o principal factor de crescimento do populismo e, cá dentro, dado o agarramento do Chega a esse eixo discursivo poderá ser o mesmo.

Mas os factos contradizem o alarmismo dos extremistas: apesar de um aumento da criminalidade em 2022, nada indica que este esteve relacionado com o crescimento das comunidades de imigrantes. Com efeito, comparando com os anos anteriores à COVID-19, continuamos numa tendência decrescente e os crimes que mais subiram em 2022 foram o roubo na via pública e roubo por esticão, (53% da criminalidade violenta), a violência doméstica, mais 15% em relação a 2021, criminalidade grupal, com uma subida de 18% (+898 participações), e a delinquência juvenil, que aumentou 50,6% em relação a 2021. Alguns destes crimes, nomeadamente a delinquência juvenil e a criminalidade grupal, estão ligados a problemas de integração das comunidades jovens nos meios suburbanos: um problema que Portugal ainda não conseguiu resolver mas que, apesar disso, permanece em níveis muito inferiores aos registados na Suécia ou em França.

Há também alguns efeitos negativos da imigração, e em particular da imigração brasileira, no emprego: os sectores da economia de mão de obra mais intensiva e menos qualificada (algumas fábricas e oficinas e, sobretudo, o sector do retalho e da restauração) aproveitaram o afluxo de milhares de pessoas dispostas a trabalharem por baixos salários para manterem ou elevarem os seus lucros à custa destas pessoas que, vivendo em grupos de 4, 8 ou, por vezes, até 20 pessoas por habitação, conseguem diluir as despesas e suportar melhor os baixos salários. A competição com estes migrantes do Brasil e com outros do Industão (sobretudo no “backoffice” das cozinhas) pressionou para baixo os salários em muitas empresas ligadas ao sector económico que mais cresce em Portugal – o do turismo – e contribuiu para que, apesar das melhorias recentes, o salário português médio continue a ser um dos mais baixos da Europa: 24.557 em Portugal vs 39.399 em França, 34.508 em Espanha ou 32.647 em Itália. Aqui, sem dúvida, há um problema, mas este problema não é dos imigrantes: é do nosso salário mínimo que continua a ser muito baixo e da ganância e incapacidade de gestão de muitos patrões e, sobretudo, de um Estado que continua a taxar a níveis inaceitáveis os rendimentos do trabalho e a aquisição de primeira habitação.

Portugal atravessa neste momento um cruzamento de crises em que a mais perigosa é, a prazo, o inverno demográfico que atravessamos.

É preciso conciliar o rigor orçamental com o reforço de políticas fiscais amigas da demografia, de reforçar a oferta pública de escolas, infantários e jardins de infância e, sobretudo, de conter a emergência imobiliária e libertar assim recursos das famílias para que estas possam crescer e terem mais filhos. Uma demografia mais sólida terá menos necessidade de imigração para funcionar e poderá financiar salários mais elevados que dispensem o “dumping” salarial que mantêm os salários artificialmente baixos. Mas Portugal não poderá nunca dar-se ao luxo de fechar as portas à imigração, qualificada, regulada e que traga valor à economia e diversidade e riqueza cultural à nossa sociedade.

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