Muitos dos desafios que enfrentamos são, além de outros fatores, uma consequência da desresponsabilização dos impactos negativos das atividades operacionais das organizações. Estes impactos podem agravar problemas ambientais (p.ex., exploração intensiva de recursos naturais), mas também sociais (p.ex., exploração de mão de obra infantil).

Analisando de um prisma otimista, existem organizações que têm (e bem) convertido estes problemas em oportunidades de negócio (p.ex., marcas que recolhem plástico dos oceanos para produzir novos produtos), fazendo-me acreditar que é possível a criação de valor, com foco no bem comum.

Estarão as Faculdades de Gestão a preparar os estudantes para esta mentalidade?

Ao assistirmos a uma aula de Finanças ou de Controlo de Gestão podemos ser tentados a depreender que a boa performance de uma organização, rege-se em última instância, pelo sucesso de indicadores financeiros (p.ex., melhoria da estrutura de custos, aumento da receita, etc.).

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O risco recai quando, para atingir o sucesso desses indicadores financeiros, é necessário “ignorar” deliberadamente externalidades negativas do negócio. Ou seja, as externalidades do negócio são quando as tomadas de decisão de produção ou de consumo, por parte das organizações, possam refletir a ocorrência de custos para terceiros. Um exemplo que traduz esta realidade é a descarga ilegal de efluentes por parte de uma indústria – p.ex., para reduzir custos operacionais – impactando consequentemente a saúde e o meio de subsistência das comunidades envolventes e implicando, por vezes, uma desnecessária intervenção por parte do Estado ou da sociedade civil.

Para ter-se um conhecimento do custo real das atividades operacionais, incluindo as externalidades, as organizações devem internalizar esses custos ambientais e sociais. A título de exemplo, temos organizações que já têm atribuído um preço interno de carbono  (x euros/tonelada de dióxido de carbono) de forma a auxiliar nas tomadas de decisão de investimento. Adicionalmente, as boas práticas ambientais, como a boa gestão de recursos, permitem também uma redução dos custos operacionais (p.ex., Sonae Sierra poupou €34,9M com a implementação de medidas de redução do consumo de energia e água), sem ser necessário optar por vias possivelmente mais fáceis (p.ex., comprar matérias-primas mais baratas em países com baixas políticas ambientais ou sociais).

Ou seja, é necessário instruir, desde a formação base, que não pode valer tudo para atingir o bom desempenho financeiro.

Mas as organizações têm mudado, mesmo sem as Faculdades alterarem os seus planos?

A sustentabilidade tem ganho relevância nas organizações a nível global, seja pelo aumento da regulação, exigências das partes interessadas, melhoria reputacional ou pelo aumento da eficiência no uso de recursos naturais. Neste sentido, dado que esta área em expansão terá um papel fundamental na definição estratégica das organizações no futuro, pode ser relevante integrar nos currículos de Gestão, de forma teórica e prática, as seguintes áreas de sustentabilidade:

Financiamento sustentável: diferentes setores de atividade têm atualmente de apresentar rácios de investimento verde (p.ex., volume de negócio, CapEx, OpEx) alinhados com critérios ambientais estabelecidos pela UE. Destaco que estes sistemas de classificação de atividades ambientalmente sustentáveis não é uma exceção europeia, sendo já uma prática de outros países (p.ex., China, Singapura, etc.).

Fiscalidade verde: embora os impostos ambientais não sejam uma novidade, o aparecimento de regulamentos como o Mecanismo de Ajustamento Carbónico Fronteiriço (CBAM), as novas regras para o Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) ou o Diploma do Mercado Voluntário de Carbono, pode dar pistas de que a fiscalidade verde e os seus conceitos terão de ser, em breve, compreendidos e integrados no léxico das organizações.

Comunicação para a sustentabilidade: um conjunto alargado de empresas terá, a partir de 2025, ao abrigo da Diretiva de Relato de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), reportar informação sobre a sua estratégia de sustentabilidade e metas definidas (inclusive o respectivo progresso anual), assim como as políticas e iniciativas que permitam atingir esses objetivos. Mais uma vez, não é uma exceção europeia, mas sim uma prática global (p.ex., Reino Unido, Estados Unidos da América, etc.).

Riscos/perigos climáticos: o mercado de capitais, para tomar decisões bem informadas relativamente à alocação dos seus ativos de forma a garantir a estabilidade financeira, tem atualmente iniciado um processo de solicitação, a um conjunto de organizações, informações relativamente ao impacto financeiro estimado, nos seus ativos e passivos, de uma possível exposição a riscos climáticos físicos (p.ex., inundações, etc.) e de transição (p.ex., aumento dos custos de licenças de emissão, etc.).

Embora existam Faculdades portuguesas que já oferecem programas executivos que suprimam a carência de literacia em sustentabilidade (no 1.º e 2.º ciclos académicos), os custos destas formações são tendencialmente elevados, tornando o acesso a esta área de conhecimento pouco acessível a todos.

Os impactes da (in)sustentabilidade não começam à porta das empresas. As Faculdades de Gestão precisam de preparar a força de trabalho a compreender os desafios futuros e ajudar os gestores a serem parte da solução enquanto, em simultâneo, ajudam as organizações a aumentar a sua competitividade (e cooperação) num planeta com recursos finitos.

O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.