No Carnaval as pessoas acorriam aos armários e às lojas de disfarces e vestiam-se de outras pessoas ou animais: de dama antiga e de macaco, de campino e de almirante.  Nenhuma loja porém alugava fatos de coisas, de instituições, de sensações ou de estados de alma.  É ainda hoje quase impossível encontrar um fato de Pirâmide, de Fábrica ou de Pressentimento.   Estas dificuldades logísticas não excluem que haja quem em situações especiais goste de se vestir com atavios menos comuns, que não se encontram nas lojas e nos armários.

É caso que de vez em quando nos vestimos de sociedade comercial.  O que fazemos nessas alturas não é tanto comércio como a repetição de um costume antigo das sociedades comerciais: o fecho para balanço.  A prática do fecho para balanço foi exportada com êxito para os afazeres corriqueiros da tribo; e é assim comum encontrar pessoas que aconselham outras pessoas acerca das vantagens de, em vez de persistirem nos seus afazeres, parar periodicamente um pouco para (como se dizia no ramo) avaliar as existências. É a este tipo de avaliação de existências que se chama desde há séculos introspecção.

A introspecção implica um exercício que não parece irrazoável: o exercício que consiste em olhar para dentro de nós para perceber o que se passa connosco.  Por olhar para dentro não se entende aquilo que se consegue sem esforço com qualquer ressonância magnética ou radiografia.  Não pretendemos pela introspecção examinar a condição dos nossos órgãos, ou verificar se existem.  Queremos pelo contrário produzir imagens mentais vívidas de coisas que aconteceram ou até que poderiam ter acontecido.  São essas imagens que constituem propriamente um balanço para quem decide fechar para balanço.

A introspecção é assim simples de definir e justificar: quem se inspecciona procura reconstruir mentalmente coisas que fez, que disse, mas também crucialmente que não fez e semi-acha que deveria ter feito; acredita quase sempre que a introspecção é a única maneira de examinar realmente o que se passa connosco; e que uma mente que não é examinada não é digna de ser vivida.  O facto de a introspecção produzir efeitos não explica porém suficientemente aquilo em que esta consiste.   As espécies de introspecção e os seus efeitos não são fáceis de determinar.

Fechar para balanço tem consequências indesejadas.  As imagens mentais obtidas pela introspecção tendem a fazer com que aquilo que suscitou a inspecção apareça a uma luz lisonjeira.  Podem ainda apagar tudo o que causa dano à harmonia das opiniões lisonjeiras que temos sobre nós próprios, sem tornar essas opiniões mais verdadeiras.  Na maior parte das vezes, as imagens obtidas por introspecção confundem as coisas e não conseguem esclarecer bem o nosso expediente normal.  A introspecção nunca acrescentou grande conhecimento a coisa nenhuma; serve sobretudo para confirmar aquilo que já sabíamos sobre as nossas actividades regulares indisfarçadas, antes de termos fechado para balanço.

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