Há 20 anos, no Anfiteatro 1 da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, aprendi que o artigo 253.º do Código Civil português fere de invalidade um negócio em que uma das partes utilize sugestões ou artifícios com a intenção ou a consciência de induzir ou manter em erro a outra parte contratante. Parece óbvio que assim seja. Mas, de seguida, apresenta uma exceção: não são ilícitas as sugestões ou artifícios usuais e considerados legítimos segundo as “conceções dominantes no comércio jurídico”. Nunca desapareceu a minha estupefação com o facto de termos na lei uma porta aberta para enganarmos os outros, desde que à maioria o artifício pareça normal e que seja para vender bens ou serviços.
Não é, claramente, uma singularidade portuguesa. Hoje é impossível andar num centro urbano sem dar de caras com as consequências de tal permissividade sob a forma de invocações mais ou menos explícitas ou implícitas de sustentabilidade ambiental em todo o tipo de vendas. Quase todos os indicadores levam à conclusão de que a crise ambiental se tem aprofundado. Estranhamente e apesar disso, todas as empresas estão a apostar com afinco na transição ecológica.
O greenwashing está por todo o lado e está profundamente normalizado. E isto coloca vários problemas. Desde logo, fazer uma compra consciente e informada é hoje praticamente impossível. Isto é um problema de proteção do consumidor. Em segundo lugar, uma empresa que efetivamente invista na melhoria da sua eficiência na utilização de recursos naturais surge aos olhos do consumidor como apenas mais uma que invoca ser ecológica. Isto é um problema de concorrência e de mercado. Em consequência, as nossas estruturas socioeconómicas não evoluem para a oferta e a procura em massa de soluções realmente sustentáveis. E isto é um problema ambiental.
Vamos então voltar ao ponto de partida deste texto e perguntar: será que o direito não tem soluções para este problema? A responsabilidade ambiental das empresas é apenas uma questão ética? A resposta é um rotundo não; e, ao que parece, cada vez mais o será.
Há cerca de um ano, a autoridade para proteção do consumidor e dos mercados dos Países Baixos proibiu a utilização de rótulos de sustentabilidade a duas grandes empresas. O fundamento foi simples: aquilo que era alegado não correspondia à realidade. No Reino Unido, a autoridade que regula a publicidade baniu os anúncios que certas petrolíferas faziam a benefícios ou qualidades dos seus produtos no combate às alterações climáticas. O fundamento, uma vez mais, foi o facto de as alegações serem falsas ou enganadoras.
Nos Estados Unidos da América, dezenas de ações têm dado entrada em tribunal contra petrolíferas com fundamentos em tudo semelhantes àqueles que foram utilizados, a partir dos anos 1950, contra as grandes empresas tabaqueiras que alegavam benefícios – ou menores malefícios – para a saúde. Recentemente, a Comissão Europeia recebeu uma queixa, seguindo a mesma linha de fundamentação, contra 17 companhias aéreas. Em 2021, um tribunal holandês condenou uma grande petrolífera à redução das suas emissões com fundamento num genérico dever de cuidado ou diligência. É a mais recente vaga de litigância climática a assolar os tribunais enquanto o poder político não adota soluções jurídicas claras para dar resposta aos óbvios problemas sociais e ambientais que o greenwashing e a (ir)responsabilidade ambiental das empresas suscitam.
A Comissão Europeia já identificou este ângulo morto: apresentou, em março de 2023, uma proposta de diretiva que, a ser aprovada e implementada, resolveria grande parte destes problemas no contexto europeu. O procedimento legislativo europeu é por vezes tortuoso e não sabemos se a diretiva verá a luz do dia, e em que condições. Talvez ainda seja possível trazer a ideologia subjacente ao artigo 253.º do Código Civil português para o século XXI. Até lá, continuaremos a tentar sobreviver a um simulacro coletivo de sustentabilidade.