Devo ser sincero e admitir que não me recordo de ouvir falar de Escópia até 2024. Foi preciso ser convidado para palestrar numa conferência evangélica para ter noção da capital da Macedónia do Norte. Eu, que planeio escrever em breve um livro contra viajar, reconheço que por vezes voar de um lado para o outro pode reduzir a nossa sempre espantosa ignorância.

Por outro lado, também é verdade que a geografia que resultou da dissolução da velha Jugoslávia convida estudo e atenção. Pela minha parte posso dizer que entrei oficialmente na minha fase balcânica e que agora quase tudo dessa região me interessa. Comecei, por exemplo, a ver um estupendo documentário da BBC que encontrei no YouTube que conta a ascensão e queda de Slobodan Milosevic. Como é que passei tanto tempo a leste do leste?

Deixem-me escrever-vos breve mas entusiasmadamente acerca de Escópia. O entusiasmo não é o do fã mas o do fascinado. A minha chegada à cidade foi marcada sobretudo pela minha ignorância e pelo facto de, no grupo que me recebeu, uma maioria ser de gregos. A Escópia de hoje na boca dos que de lá são é sobretudo lamentada, na boca dos gregos só com muito esforço não descamba em sarcasmo. Talvez também por isto a cidade merece mais do que elogios óbvios ou censuras instantâneas. Não deveríamos nós tratar as cidades como tratamos as pessoas complicadas que amamos?

Para nós, portugueses, que estamos há quase 900 anos de fronteiras definidas, parece outro mundo aquele que ainda ontem foi disputado por guerras ou invasões. Assim como referências históricas óbvias, Escópia fez parte da Roma que sobreviveu por mais um milénio à queda de Roma, o chamado Império Bizantino, para se tornar de seguida Otomana e, portanto, também muçulmana. Como se isso já fosse pouco, no Século XX teve Sérvios a mandar, foi depois feita parte da Jugoslávia até se tornar oficialmente Macedónia do Norte em 1991. Numa terra assim, não se está numa terra mas em muitas ao mesmo tempo: há macedónios, há albaneses, há sérvios, há búlgaros, há romenos, há ciganos, há turcos, há um mundo inteiro e em modo intenso.

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Arquitectonicamente reflecte-se esta Babel em, pelo menos, três cenas completamente distintas: há lugares como os antiquíssimos bazar otomano, mesquitas e igrejas que nos enviam para épocas arcaicas; há lugares da inconfundível arquitectura brutalista soviética (que suscitam cultos estéticos na juventude), e há os lugares recentes que, como direi, traem qualquer passado, presente ou futuro. Estes lugares recentes resumem-se sobretudo num projecto de reconstrução do centro da cidade chamado “Escópia 2014” e por terminar em 2024 (isto ainda consequência de um terrível terramoto em 1963). Depois das ruínas do comunismo, o próximo candidato a arruinar Escópia parece ser uma forma de patriotismo forçado que se materializa numa construção pavorosa de grandes edifícios e estátuas ao pior gosto “neo-clássico”. Com razão, muitos falam de uma injecção forçada de identidade macedónica artificial à Las Vegas. É preciso estar lá para acreditar.

Os da Macedónia do Norte que ouvi lembravam o passado jugoslavo que me pareceu ser-lhes mais natural do que este novo país que precisa de pedinchar aos gregos o uso do próprio nome. Imaginem um país assim, meio forçado a ter de ser país, a ter de ser nação, a ter de escolher a partir de um passado complexo uma identidade simples. Se é certo que quanto mais saio de Portugal mais acredito naquilo que é específico dos portugueses, também é certo que, quanto mais países conheço, menos simples me parece esta história de ser um país.

Não sendo muito viajado, esta foi a região mais oriental que visitei ao conhecer a Macedônia do Norte e a Grécia (se Deus quiser, Atenas fica para o texto da próxima semana). O melhor destas voltas todas talvez seja mesmo a certeza crescente de que, independentemente da orientação das nossas viagens, nos descobrimos sempre mais a leste do que nos imaginávamos.