A mortalidade por doenças cardiovasculares (doença das artérias coronárias e acidente vascular cerebral), apesar de ainda dominar as causas de morte em Portugal, tem vindo a reduzir-se progressivamente nas últimas quatro décadas, constituindo essa redução uma história de sucesso que marcou a segunda metade do século XX e se prolonga para o século XXI.
O acréscimo de dez anos na sobrevivência ocorrido neste período, deve-se em grande medida ao progresso na prevenção, diagnóstico e tratamento das doenças cardiovasculares. Em Portugal, a mortalidade cardiovascular desceu 20% nas últimas décadas, com uma redução global de 4,1% apenas no último lustre, que foi analisado pelo Programa Nacional das Doenças Cardiovasculares (2011-2015).
Apesar de termos ainda um grande caminho a percorrer no Acidente Vascular Cerebral, os dados do ATLAS2, recentemente publicados pela Sociedade Europeia de Cardiologia, mostram que em relação à doença isquémica do coração (enfarte do miocárdio, angina de peito), Portugal tem uma posição alinhada com os melhores países europeus.
A evolução conceptual e tecnológica ocorrida esteve na base do virar de página de há anos atrás.
O conhecimento dos fatores de risco e dos mecanismos das doenças, o aparecimento de novos e rigorosos métodos diagnósticos e o desenvolvimento de fármacos, técnicas e tecnologias terapêuticas têm contribuído de forma decisiva para os resultados alcançados. A década de oitenta foi um período de extraordinários avanços onde surgiram fármacos inovadores (captopril, estatinas), se iniciou a angioplastia coronária, se deu início à trombólise e depois à intervenção coronária em fase aguda de enfarte do miocárdio e se começaram a implantar os cardioversores-desfibrilhadores.
Penso que três fatores essenciais contribuíram para este sucesso: o primeiro, a divulgação da evidência científica de forma sistematizada, profunda e colegial, levada a cabo pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia, através da multiplicidade das suas ações formativas, dos seus Grupos de Estudo e Associações Especializadas. O segundo, a capacidade de organização da cardiologia portuguesa à volta de um objetivo comum – a redução da mortalidade por doenças cardiovasculares – usando progressivamente a mesma linguagem, aplicando as mesmas normas de orientação e propulsionando a diferenciação técnica das estruturas. É assim que o pioneirismo de alguns visionários, cedo contagia muitos e que hoje temos uma cobertura quase completa do território nacional com Serviços de Cardiologia que incluem Unidades de Cardiologia de Intervenção muito diferenciadas. Finalmente, a integração a nível das estruturas da tutela, de que resultou a criação da via verde coronária pela mão sábia do então coordenador nacional das doenças cardiovasculares, Prof Seabra-Gomes. Em todas estas fases, a liderança médica teve um papel decisivo e mesmo quando os decisores últimos não eram médicos, souberam enquadrar o magma em movimento da vitalidade da cardiologia portuguesa. A liderança médica, verdadeiramente, pode salvar vidas.
Vem isto a propósito da iniciativa da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) em promover um seminário de três dias destinado a Diretores de Serviço e de Unidades, visando a melhoria das capacidades de liderança. Para tanto, criámos uma parceria com a AESE Business School, cuja reconhecida competência nesta área garantiu o grande sucesso desta iniciativa. A SPC quer não só formar melhores cardiologistas mas igualmente melhores líderes médicos, consciente de que a (boa) liderança médica, inclusiva, agregadora, motivadora, pode salvar vidas. Estamos hoje perante novos caminhos como o da chamada “intervenção” estrutural” e quanto à síndroma coronária crónica, o maior desafio do presente será talvez o de moderar algum ímpeto demasiado intervencionista em que muitos acreditaram, mas que a evidência científica, como a que trouxe o grande estudo ISCHEMIA recentemente publicado, desaconselha. Lado a lado com a gestão da inovação e a preocupação da sustentabilidade, a liderança médica confronta-se hoje com a gestão da futilidade e da redundância médica. Os resultados mostrarão se também desta vez conseguiremos generalizar as boas práticas.
A melhoria da qualidade dos líderes médicos desafia também os interlocutores – administrações e tutela – cuja atenção empenhada, diálogo participativo e, porque não dizê-lo, qualidade, também esperamos, sempre focados no objetivo comum de melhorar a saúde cardiovascular dos portugueses.