O resultado das eleições do último 10 de Março terá sido surpreendente para muito pouca  gente que tenha vivido em Portugal nos últimos anos. O desgaste de 8 anos de governação PS,  nas suas mais diversas geometrias, causaram um grande desgaste não só no partido do  governo mas também em todo o campo da esquerda, levando a algumas flutuações de  eleitorado. Se considerarmos que a AD registou valores próximos dos obtidos pelo PSD de Rui  Rio, podemos supor que as maiores deslocações de votos terão sido registadas do PCP para o  Livre, por passagem direta, e do PS para o Chega. Neste caso não vejo como muito provável a  transmissão direta do total crescimento do Chega, mas antes um efeito dominó com votos a  saírem do PS para a AD, com esta a perder votos para a sua direita. Importante realçar, neste  ponto, o papel do Chega na redução da abstenção, atingindo números históricos, em boa parte  mobilizados e canalizados pelo e para o partido de André Ventura.

O crescimento exponencial do Chega desde a sua criação leva, necessariamente, a que os seus  desafios sejam também cada vez mais complexos, e a fasquia histórica para um terceiro  partido, de 50 deputados leva também a que, pela primeira vez, o Chega chegou a eleitorado  que não era seu. Não era seu no sentido em que saiu, pela primeira vez, do seu núcleo de  apoiantes mais ou menos incondicionais e tornou-se um partido que disputa a franja dos  indecisos. Pois é aqui que considero começar o primeiro grande desafio do Chega.

Escrutínio. Estando perante aquele que será, talvez, o partido mais escrutinado pela  Comunicação Social e pelos diversos Comentadores, o Chega enfrenta agora um tipo de  escrutínio pelo qual nunca teve a necessidade de passar, o dos eleitores. Deixando de ser uma  partido alimentado pela sua base fixa de apoiantes, o André Ventura disputa agora eleitorado flutuante entre partidos, altera o seu sentido de voto com facilidade, mais sensível aos  escândalos, aos soundbites e à performance na Assembleia dos seus eleitos. A ideia  generalizada dentro do partido de que, havendo novas eleições em breve, o Chega continuará  a crescer no seu número de mandatos pode ser posta em causa na medida em que entra agora  num território que o poderá penalizar caso seja ele o causador da derrocada deste governo. O  Partido Socialista já deu mostra de ter entendido a mensagem e deu dois passos atrás, vai  reorganizar-se e deixar cansar o Governo recém-eleito, resta saber se André Ventura  conseguirá segurar o seu ímpeto.

Numa Assembleia de Républica tão fragmentada, com necessidades de negociação  permanentes, parece ser de sobre importância a definição de linhas políticas, de causas e de  um caminho a seguir. Querendo ser uma oposição sorte de Direita, é importante a assunção de  compromissos, não com os outros partidos, mas com os eleitores. Considero o segundo grande  desafio.

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Identidade. No espaço de dois ciclos eleitorais incompletos, vimos o Chega passar de querer  privatizar parte substancial da Saúde e da Educação, a ser a favor da nacionalização da TAP e a  querer aumentar as pensões para o nível do salário mínimo nacional. O Chega sempre foi  conhecido por ser capaz de dizer tudo e o seu contrário conforme a sua conveniência à altura. Seria muito vantajoso, quer para o partido quer para o sistema parlamentar, começar a definir ideias, tornar-se um partido um pouco mais ideológico e menos de causas. A verdade é que as  causas, embora tragam mais visibilidade, também expõem mais as contradições de discurso.

Penso existir uma questão fulcral decorrente do crescimento de qualquer partido. O Chega  passou muito rapidamente de ser um partido com um deputado para ter um grupo  parlamentar de tamanho médio, continuando no entanto com características de One-Man Show. André Ventura soube muito bem aproveitar as qualidades politicas de Rita Matias, uma  estrela em ascensão no partido, mas para um partido com 50 deputados parece soar a pouco.

Experiência. O terceiro desafio que aponto surge um pouco como uma Quadratura do Círculo.  Todos os partidos ou organizações têm de passar por este desafio eventualmente,  independentemente de estarmos a falar de um partido com assento parlamentar ou de um  administrador de condomínio. No entanto, e dada a ambição demonstrada por André Ventura  de continuar na senda do crescimento, e sustentar o mesmo, é importante começar a delegar,  a ter pessoas que se mostrem capazes de assumir os diferentes desafios que o partido  enfrenta, sob o risco de viciar a formula e cansar em excesso a imagem do líder e de Matias.

Os próximos tempos trarão a André Ventura um último desafio lapidar.

Sistema. O Chega vai ter de decidir, agora, de que lado vai querer estar. O caminho que o  trouxe até aqui, o de fora do sistema, parece estar esgotado, seja por vontade dos eleitores  seja por vontade do partido. Se quiser continuar o crescimento, o Chega será chamado à  responsabilidade, irá eventualmente ter um lugar à mesa, seja ele qual for, mas para entrar  numa solução governativa ou ser governo sozinho estará sempre no sistema. Os dias de  apontar dedos já terão chegado ao fim, e chegou a altura de decidir, sabendo à partida que  qualquer decisão terá as suas contrapartidas.

Aconteça o que acontecer, o dia 26 de Março marca o inicio de um tempo diferente. Não sabemos se será duradouro ou quais as implicações que poderá vir a ter mas nunca, como  agora, o Parlamento esteve tão fragmentado. Isso leva à necessidade de uma dinâmica negocial fortíssima, à qual não estamos habituados mas da qual poderão sair coisas boas,  especialmente ao nível da cultura política e de cidadania.