Em novembro de 2022, o mundo conheceu o Chat GPT 3.5, ferramenta que expandiu os horizontes da máquina em replicar o comportamento humano, abrindo espaço a um conjunto de novos casos de uso.

Apesar deste desenvolvimento recente, desde sempre esteve no imaginário humano o sonho, ou melhor, o desígnio, de criar uma máquina que replique o seu comportamento nas suas mais diversas vertentes. Prova disso é o conhecido mito de Talos, autómato gigante feito em bronze pelo Deus Hefesto para proteger Creta.  Infelizmente, de acordo com a mitologia, Talos foi derrotado pelos Argonautas, tendo o próprio autómato removido uma unha que acabou por drenar todo o líquido que o mantinha vivo.

Mais recentemente a Inteligência Artificial, e mais especificamente o Generative AI, prometeu mudar a sociedade independente da indústria ou setor onde atua, existindo o enorme “hype” em torno desta tecnologia. Relembrando o famoso “The hype cycle” da Gartner, encontramo-nos neste momento no chamado “peak of inflated expectations”, em que a sociedade como um todo pensa que a Inteligência Artificial vai resolver muitos dos problemas que nós humanos não conseguimos resolver até ao momento.

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Neste sentido, tudo indica que a Inteligência Artificial vai seguir a mesma curva que tantas outras tecnologias, obrigando, e fazendo novamente o paralelismo com a mitologia, a ter a prudência de Dédalo quando aconselhou o seu filho Ícaro a não voar muito perto do sol para não derreter as suas asas, nem muito perto do mar para que estas não se tornassem demasiado pesadas. Na realidade, este artigo propõe exatamente seguir a abordagem de Dédalo, indo além do “hype” atual.

Viajando agora da mitologia para o futuro, é inegável que a transição energética é um dos maiores desafios de sempre da humanidade, envolvendo um número assinalável de recursos financeiros, humanos e materiais, numa das maiores transformações de sempre da sociedade. De acordo com a Bloomberg e a IRENA, será necessário um investimento financeiro a rondar os 150 triliões de dólares até 2050 para delimitar o aumento da temperatura global em 1,5ºC. A adicionar, para se atingir os objetivos propostos em linha com o investimento global projetado, é certo que os sistemas energéticos no futuro serão:

Mais suportados na rede elétrica – É estimado que em 2050 mais de 50% da energia final consumida seja através da rede elétrica, contrastando com os atuais 20%;

Mais descentralizados (e.g comunidades de energia) – O recente desenvolvimento da energia solar com custos abaixo dos 50 $/Kwh, permitiu democratizar a produção de energia, contribuindo para um sistema mais descentralizado, mas também mais intermitente;

Baseados numa capacidade instalada acrescida – Dada a intermitência do sistema, a capacidade instalada terá de ser muito superior ao consumo para acomodar a intermitência dos sistemas renováveis, nomeadamente a energia solar, cujo fator de capacidade é inferior aos sistemas térmicos de produção de energia;

Mais ligados (e.g. V2G) – Os sistemas de armazenamento terão de estar mais ligados com os sistemas produtores, permitindo um bom compromisso entre a produção a preços competitivos e o seu armazenamento;

Mais renováveis – A percentagem de energia renovável no consumo final irá aumentar dos atuais 20% para os 50% em 2050;

Mais instáveis – Devido à introdução progressiva tanto de energia solar como de energia eólica, os sistemas elétricos vão-se tornar mais instáveis, nomeadamente através da redução da sua inércia, sendo necessário a introdução de sistemas sintéticos ao longo da rede, evitando assim flutuações e no limite blackouts.

Na verdade, o complexo sistema que descrevi apenas será gerível com a presença de Talos, existindo diversos casos de uso que permitem endereçar cada uma das tendências que mencionei. Em baixo deixo alguns exemplos que terão de ser amplificados num futuro próximo, permitindo assim otimizar os investimentos que se avizinham:

Power production and demand forecast – A Inteligência Artificial pode e deve apoiar na previsão de produção e procura tendo por base fatores como a temperatura, humidade, consumos passados ou capacidade de armazenamento existente, reduzindo assim fenómenos de curtailement;

Grid design and planning – Apoiar os operadores de rede no desenho e planeamento da mesma, garantindo a sua estabilidade, protegendo-a ao mesmo tempo de fatores extraordinários (e.g. cheias ou incêndios);

Intelligent management of distributed renewables and devices – Otimizar a utilização de sistemas produtores, articulando-os com o armazenamento existente, otimizando o sistema como um todo.

Os casos de uso que referi é apenas uma pequeníssima parte do potencial que esta tecnologia pode dar à indústria, permitindo uma otimização efetiva dos recursos num dos maiores desafios que teremos como sociedade. Para terminar, e não menos importante, mais do que tecnológica, a transformação que se avizinha é acima de tudo humana, pois teremos de ser capazes não só de utilizar estas ferramentas mas também de as produzir, permitindo resolver problemas bem concretos do nosso dia a dia.