Se pressentimos em alguém próximo, amigo ou familiar, o sofrimento e a dor profunda, física ou psicológica, aquela desistência acompanhada da perda de sentido da vida; se ouvimos aquele desabafo de que a “vida já não faz sentido”, que “já cá não ando a fazer nada”, de que “sou apenas um peso para vocês”; quando experimentamos a confirmação disto tudo da pior maneira, porque alguém de quem gostamos não resistiu ao desespero e tentou o suicídio; enfim, se somos confrontados com a fragilidade de quem amamos, certamente não nos ocorre dizer a quem sofre que tem “o direito de se matar”, que deve ponderar se a morte não é melhor solução para os seus problemas, que o suicídio é uma possibilidade de realização pessoal, tão legítima como outra qualquer, no plano da liberdade e da autonomia de cada um.
Não nos ocorre o absurdo de recomendar o suicídio a alguém, de lembrar a quem sofre que se pode matar, porque não desistimos da pessoa que amamos, apesar de ela poder ter desistido de si naquele momento; porque acreditamos que é possível o acompanhamento médico que devolva a esperança; porque sabemos que tantos em situações difíceis encontraram saídas para a dor que parecia insuportável. Também sabemos que não queremos abandonar à sua sorte aqueles que mais amamos, que queremos lutar com eles, ainda que pareça impossível vencer.
Também a comunidade organizada em Estado nunca entendeu admissível que a resposta ao sofrimento das pessoas fosse a criação de um serviço de apoio à realização do suicídio, ou a aposta na educação para o suicídio. Evidentemente, ao sofrimento e ao desespero – sejam as suas causas clínicas, sociais ou económicas –, a sociedade procurou responder com a organização do apoio aos que mais sofrem, criando serviços públicos de saúde, fornecendo prestações sociais, apoiando instituições de solidariedade social, protegendo a família, como instituição nuclear de amparo das nossas fragilidades.
A pessoa doente que sofre, física ou psicologicamente, e que enfrenta a maior provação da sua vida, não é diferente de qualquer outra em situação difícil e de possível perda de sentido da vida. Também em relação a ela parece já não haver esperança, que a única saída é a morte.
Perante isto, o que deve fazer a comunidade? Cuidar da pessoa doente, fazê-la sentir-se amada, diminuir-lhe o sofrimento. Se a resposta for a legalização da eutanásia, a de organizar um sistema de morte a pedido ou de suicídio assistido, dizemos aos doentes, enquanto comunidade política, aquilo que nos repudia dizer aos amigos e familiares em situação de desespero – podem escolher a morte, ela é uma saída legítima para os vossos problemas, de tal forma que até pode ser um profissional de saúde a matar.
A desumanidade desta mensagem do poder político em relação aos que sofrem, doentes, carentes de apoio especializado e, no fim de contas, de amor, está na iminência de ganhar força de lei. Lei iníqua, desumana e perversa. Uma lei que, ao contrário do propalado, não se destina a despenalizar a eutanásia – o que já hoje pode ocorrer em sede de causas de exclusão da culpa previstas no Código Penal –, mas a consagrar o direito subjetivo a que um profissional de saúde nos mate.
Sob a desculpa da compreensão pelos que sofrem, os projetos de lei que se apresentam no Parlamento significam antes a desistência em relação a eles. Sob a aparência de respeito pela liberdade, os projetos de lei que legalizam a eutanásia tomam como válidas as declarações de vontade de pessoas em desespero, cuja vontade e autonomia estão toldadas. Sob a exaltação da morte com dignidade, as propostas que agora se pretendem votar, sem terem sido inscritas nos programas eleitorais dos partidos, assumem que há vidas, porque indignas, que não merecem continuar a ser vividas.
No entanto, assim como a esperança de quem sofre não é facilmente vencida quando se unem todos os que não desistem, também eu continuo a acreditar que as leis iníquas, hoje ou amanhã, não resistirão à bondade das mulheres e dos homens de boa vontade e que a morte não vencerá.
Tiago Macieirinha é docente da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa