Quando o “Observador” me entrevistou em outubro, não me apercebi logo que as minhas respostas sobre o tema da mulher iriam provocar uns quantos significativos efeitos indesejados. Só após a publicação é que, vendo o destaque que lhes foi dado, me apercebi de tal situação e de que falhei ao não dar uma visão mais abrangente da mulher. Pouco tempo depois, várias pessoas do Opus Dei, sobretudo mulheres, e entre elas algumas das colaboradoras mais próximas, me confirmaram que as minhas palavras davam azo a um retrato limitado e distorcido, desencaixado da realidade das suas vidas. De facto, só tive que lhes dar razão, agradecer o alerta e pedir desculpa pela tristeza que inadvertidamente causei. E também pensei que, se pessoas tão conhecedoras da realidade do Opus Dei e do que penso sobre o assunto, reagiam assim, eu teria de compreender a perplexidade de quem estivesse mais distante. As ideias que agora exponho permitem reconhecer que a minha frase que deu título à entrevista (“cada mulher tem em si a capacidade de ser quem cuida da casa”) precisava, pelo menos, de ser esclarecida e completada. Espero fazê-lo desta vez.

A importância fundamental da presença da mulher em todos os âmbitos da sociedade e na Igreja tem vindo a abrir caminho ao longo do último século e meio. De modo crescente, toma-se consciência de que a humanidade só se encontra a si própria reconhecendo a justa igualdade entre o homem e a mulher: em dignidade e em oportunidades. Por outro lado, a afirmação e promoção desta igualdade primordial corre o risco de se converter num igualitarismo empobrecedor se não se reconhece o que é específico do ser masculino e do ser feminino, na sua complementaridade.

Em que consiste esta especificidade? O Papa Francisco numa ocasião referiu que, apesar de muitas coisas poderem mudar, e de facto mudarem, na evolução cultural e social, permanece o dado de que é a mulher que tem a capacidade de conceber, trazer no seu seio e dar à luz cada ser humano. “E este não é simplesmente um dado biológico, mas encerra em si uma riqueza de implicações quer para a própria mulher, em virtude do seu modo de ser, quer para as suas relações, em função da sua maneira de se colocar em relação à vida humana e à vida em geral”.

Assim, vê-se como é importante a valorização do contributo insubstituível do que S. João Paulo II chamou “génio feminino” em todos os níveis, sem uma visão redutora. Com palavras do Papa Francisco, “os dotes de delicadeza, sensibilidade e ternura peculiares, que enriquecem o espírito feminino, representam não apenas uma força genuína para a vida das famílias, para a propagação de um clima de serenidade e de harmonia, mas uma realidade sem a qual a vocação humana seria irrealizável!”

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Ainda recentemente o Santo Padre chamava a atenção para o facto de que o próprio da mulher não se traduz em determinadas funções, mas “a finalidade da mulher é criar harmonia e sem a mulher não há harmonia no mundo”, “ela que traz aquela harmonia que nos ensina a acariciar, a amar com ternura e que faz do mundo uma coisa bonita”. E no que se refere à vida da Igreja, na primeira conferência de imprensa que deu no regresso do Rio de Janeiro, em 2013, é possível intuir a visão grande do Papa Francisco: “Maria, era mais importante que os Apóstolos, os bispos, os diáconos e os presbíteros. A mulher, na Igreja, é mais importante que os bispos e os presbíteros; o como é que devemos procurar explicitar melhor”.

O tema é relevante. Esta vasta presença da mulher no mundo e na Igreja corresponde à visão cristã, e à visão do fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá. A teóloga Jutta Burggraf, que integrou a Academia Pontifícia Mariana Internacional, salientou que “não foi a revolução feminista que convenceu este sacerdote espanhol do idêntico valor dos sexos. Como S. Josemaria tinha uma mente aberta e uma fé viva e profunda, compreendeu desde a juventude que o homem e a mulher têm exatamente a mesma dignidade. Ambos são inteligentes e livres; a ambos foi confiado o cultivo da terra como tarefa comum e ambos possuem uma última e exclusiva relação imediata com Deus. ‘Ninguém é mais do que outro, ninguém! – costumava dizer. Não quero senão ajudar, pelos caminhos do espírito, a liberdade e a dignidade de cada pessoa. Esse é o meu sonho’. (…) Escrivá tinha isso claro num tempo em que nas sociedades europeias se esperava das mulheres pouco mais do que sorrir para os homens, tocar piano, fazer renda e aprender o Catecismo. Quando o jovem Josemaria estudava Direito na Universidade de Saragoça (1923-27), provavelmente não havia nenhuma rapariga entre os seus companheiros de curso; e quando Deus lhe fez ver que conviria admitir também mulheres no Opus Dei, em 1930, não existia ainda o sufrágio feminino em Espanha, nem em França, na Itália, na Suíça e em muitos outros países”.

Foi há 50 anos que Escrivá respondeu assim à pergunta de uma jornalista da revista feminina Telva sobre a tarefa específica da mulher na vida pública: “a presença da mulher no conjunto da vida social é um fenómeno natural e totalmente positivo. Uma sociedade moderna, democrática, tem de reconhecer à mulher o direito a participar ativamente na vida política, e tem de criar as condições favoráveis para que exerçam esse direito todas as que o desejarem”, e ainda “uma mulher com preparação adequada deve ter a possibilidade de encontrar aberto o caminho da vida pública, em todos os níveis. Neste sentido, não se podem apontar tarefas específicas da mulher.

Em Portugal, as mulheres são a maioria no Opus Dei, chegam a ser dois terços, e são também a maioria das pessoas que participam nos encontros de oração e formação religiosa católica organizados pelo Opus Dei, abertos a todos. A maior parte dessas pessoas têm um trabalho intenso, segundo as preferências e as possibilidades, além da sua família. Encontramos mulheres com todo o tipo de trabalhos da sociedade civil: advogadas, cabeleireiras, professoras, mulheres a dias, engenheiras, contabilistas, empresárias… Tentam conciliar, dia a dia, trabalho e família, sem os contrapor: sabem que para a mulher, e para o homem, tanto o trabalho como a família ocupam um lugar central na sua vida. Além disso, também a família exige trabalho, partilhado entre os dois. Um trabalho gratificante, que deve ser bem feito e deve aprender-se a fazer bem.

Hoje é reconhecido o valor social de todo o trabalho honesto. E tem valor se é bem realizado, não tanto por ser feito por homens ou por mulheres, e portanto deve traduzir-se numa remuneração equivalente. Ao mesmo tempo, todos os setores da sociedade precisam do contributo humanizador próprio da mulher. Quer seja na chefia de organizações, quer ser seja em trabalhos manuais. Leque amplo, onde todos os trabalhos são importantes, e onde a presença da mulher é importante. Assim como há mulheres do Opus Dei que são dirigentes, também as há que optam profissionalmente pelos trabalhos de cuidado dos outros, higienização, hotelaria e similares. É um trabalho que exige capacitação e preparação específica, que tem um grande valor social, e que muitas escolhem por opção e não por não terem alternativas.

A redescoberta do que é o homem e do que é a mulher está na ordem do dia. É uma reflexão que está a fazer-se e a ter resultados importantes na sociedade e na Igreja.

Vigário Regional do Opus Dei em Portugal