A necessidade de inovação pedagógica tinha vindo a ser identificada pelo movimento estudantil antes da pandemia.

A pandemia veio acelerar mudanças e trouxe uma oportunidade para tornar as instituições de Ensino Superior mais resilientes e competitivas. Um ano de transição tecnológica forçada pela pandemia pode ser mais preponderante para uma política de inovação pedagógica do que os últimos 20 anos de Bolonha.

Pode dizer-se inaceitável, ao fim de mais de um ano de ensino remoto de emergência, que não se reflita em cada instituição sobre esta experiência.

Para a Federação Académica do Porto é muito importante trazer a debate a forma como se deve ensinar e foi a pensar a partir da Academia, dos seus docentes, investigadores e estudantes, e com o contributo de decisores políticos e especialistas, que colocámos em perspetiva a renovação do paradigma de ensino-aprendizagem no Superior. Sim, porque é na Academia que se constroem paradigmas.

A análise efetuada aos contributos recolhidos permite traçar um diagnóstico de forma precisa:

O estudante: os estudantes de hoje são nativos digitais e mais exigentes. O Superior acolhe atualmente pessoas com perfis e percursos diferenciados, impondo uma formação que não seja uniforme e homogeneizadora. O modelo one size fits all é anacrónico e já não responde às necessidades de um estudante do século XXI.

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O docente: a atração de novos públicos exigirá um corpo docente com competências que lhe permita lidar com esta comunidade estudantil diversificada. Ao docente, que faz carreira de algumas dezenas de anos, caberá questionar-se continuamente sobre quem são os seus estudantes. A formação pedagógica ganha especial relevância e são precisos mecanismos que assegurem que o docente se mantém atualizado. [As European Standard and Guidelines, um dos alicerces da confiança mútua entre Estados e instituições de Ensino Superior no espaço europeu de Ensino Superior, assinalam que as instituições devem disponibilizar e promover iniciativas e oportunidades para o desenvolvimento profissional do pessoal docente e incentivar a inovação dos métodos de ensino, assim como a utilização de novas tecnologias]. Um bom docente detém um sólido conhecimento científico, mas também inspira pelo papel que assume. Nada substituirá um bom docente, seja qual for a modalidade de ensino, pois um bom docente será capaz de ministrar em qualquer formato. E os docentes são, por tudo isto, a chave do sucesso para alterações no âmbito da inovação pedagógica.

O modelo educativo: explorar contextos onde a aprendizagem seja significativa, com impacto e qualidade, constitui um desafio para a pedagogia. É consensual a urgente evolução para um modelo de autonomia do estudante, deixando cair o modelo expositivo, passivo e pouco inovador, assente na dependência enraizada de reter apenas o que é explicado. A título exemplificativo, assistir a uma aula tem uma taxa de retenção de 5% a 10%. Este modelo está ultrapassado. Aos estudantes exigem-se novas competências: filtrar informação, interpretar, distinguir ideias falsas, ter sentido crítico e criatividade e um sentido de agência pessoal que impele a ação. Para tal, os estudantes exigem novos modelos de ensino, com compreensão de fenómenos e articulação de conhecimentos, que propiciem feedback constante e com espaços de colaboração e reflexão. Não é o mais inteligente nem o mais forte que vinga, mas o que se conseguir adaptar melhor, e os estudantes devem ser formados também com base nesta filosofia.

O espaço de aprendizagem: a transformação pedagógica é mais profunda do que a simples disponibilização de ferramentas digitais. A tecnologia pode contribuir como facilitador para a missão de ensinar. Em vez de realidades em confronto, o conceito de aula em espaço físico ou digital deve ser visto em complementaridade e num encontro harmonioso. O ensino híbrido, encarado como modelo futuro, é capaz de proporcionar uma aprendizagem mais personalizada, interativa e imersiva. O processo de transformação digital não se pode restringir às engenharias, mas ser ampliado a todas as áreas do saber.

A nova academia: é imprescindível encontrar novos lugares de encontro e novas formas de promover a socialização nos campi, fortalecendo atividades de grupo, desportivas e culturais, tão significativas para alma mater das instituições. A dimensão e comunicação humanas continuam a ser cruciais na reconfiguração dos modelos digitais.

E depois do diagnóstico? São precisos incentivos à investigação de novos modelos educativos, formação do corpo docente, adoção de novos formatos e até conteúdos, dentro e fora da sala de aula, para lá da modernização de infraestruturas e equipamentos para responder a este paradigma.

O Ensino Superior sempre inspirou mudanças na sociedade. Mas, neste momento, é o próprio que carece de reforma interna. Urge superar a resistência à mudança e ao conservadorismo pedagógico. Caso contrário, estamos preparados para as consequências uma não reforma e da inação?

As instituições de Ensino Superior devem ousar valorizar a qualidade do ensino. O futuro da educação será determinado por visão e vontade políticas para que as reflexões promovidas se traduzam em ações e pela disponibilidade dos reguladores para abraçar esta inovação.

Caderno de Apontamentos é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.