Procurar a perfeição é uma ilusão. Só os amores-perfeitos podem sentir-se com propriedade de assim se reconhecerem. Claro que há dias perfeitos e belos, como canta Lou Reed, mas procurar viver num estado ilimitado desse sentimento é impossível e irrealista. Será que também, se a vida fosse inteiramente perfeita, daríamos valor aos momentos especiais e sentidos como completos e mais do que satisfatoriamente felizes?
Algumas pessoas sofrem (a sério) quando não satisfeitas com a sua intenção perfeccionista. Sentem-se altamente frustradas quando não atingem os resultados esperados, planos furados devido a circunstâncias externas. Ao perceberem que algo não correu como o esperado, sentem que está tudo estragado. Não se sentem realizadas.
O perfeccionismo anda lado a lado com a rigidez de carácter. Vive-se de modo ultra regrado e antecipado. Prevalece uma luta constante em busca de um ideal, que sendo tangível leva a comportamentos ritualizados até alcançar a meta. Pensemos no culto das dietas, o culto do corpo, o modo workaholic, na mania das limpezas e arrumações, na extrema formalidade, no modo ultra-regrado. Devemos dar atenção, que quando estes comportamentos são levados ao extremo, podem dar conta de sinais patológicos. Se tais condutas tiverem uma prevalência na vida do dia-a-dia, com muita frequência e intensidade, identificamos um funcionamento obsessivo-compulsivo. Tal acontecendo, traz mais sofrimento do que satisfação com o modo disciplinado adoptado.
Aceitar que é inexequível controlar tudo connosco e à nossa volta, por mais exigentes que sejamos, é a possibilidade de viver mais descontraído. A tolerância à frustração e aceitação da realidade imprevisível, permite uma vivência interior mais pacificada. É risível achar que é perfeito um mundo sem falhas e imprevistos. Onde fica o efeito surpresa, o lugar da espontaneidade? Na verdade, integrar a imperfeição, dá uma amplitude à capacidade de aceitação do todo. Admite a beleza das marcas do tempo e da incompletude.
Na cultura japonesa, há a ideia do conceito wabi-sabi. Esta concepção baseada em princípios budistas aceita a ideia da impermanência. Ou seja, aceita a possibilidade de uma estética não etérea e perfeita tal o belo renascentista do mundo ocidental. No lugar da fissura, entra a luz. E isso, também pode ser sublime. Por exemplo na cerâmica, pelo uso da técnica kintsugi, os objectos partidos tornam-se belos pela reparação das fendas com pó de ouro. Curiosamente, as peças restauradas tornam-se mais fortes do que originalmente, antes de serem quebradas. Ganham outra beleza. Transformam a ideia de que é irremediável aquilo que foi estilhaçado. Uma esperança para corações partidos e vidas entrecortadas…
A possibilidade de integrarmos as nossas imperfeições e as dos outros, tantas vezes olhadas com ar crítico e desaprovador, pode permitir ver que afinal é perfeita a imperfeição. Que é um descanso sermos mais tolerantes e flexíveis em vez de ditatoriais com nossos preconceitos e rigorosos princípios (de resto, temos a nossa estrutura de valores que nos norteia mas sem nos limitar a um único caminho certo).