As grandes transições – climática e energética, ecológica e alimentar, tecnológica e digital, demográfica e migratória, geopolítica e securitária, social e cultural – têm um impacto estrutural profundo, cujas consequências começam, agora, a ficar mais visíveis na nossa vida quotidiana. Cada uma destas transições tem um ciclo de impacto de duração variável e uma estrutura de custos associada muito complexa. Falamos de custos de contexto, de formalidade e administração, de organização e transação, de efeitos externos negativos, de cobertura de risco, de custos económicos de oportunidade e custos de informação e comunicação. Ou seja, as grandes transições em curso conduzem-nos até à governação e ao governo das sociedades complexas, se quisermos, a uma mudança paradigmática de sociedade.

Neste contexto tão vertiginoso, precisamos, urgentemente, de um pensamento político que seja capaz de prevenir o colapso da sociedade e o risco iminente de colisão entre o ator e o sistema. Precisamos de impedir que a sociedade se torne ingovernável e que a implosão das dimensões espaço-tempo gere uma sucessão de crises intermináveis de urgência e emergência. Precisamos, sobretudo, de impedir a digitalização da política, ou seja, uma certa instrumentalização da política, fruto do digitalismo, da sensorização, da internet dos objetos, da inteligência artificial, dos ambientes simulados, sob o comando de um crescente capitalismo de vigilância. Neste contexto tão saturado, o que poderá ser uma política do futuro e, portanto, o futuro da política? Se quisermos, o futuro como esperança positiva, mobilizadora, ou o futuro como risco e incerteza, como desesperança?

O futuro da política está, doravante, muito dependente do modo como abordarmos a política do futuro. Há, como é evidente, muitos futuros à nossa frente, uns mais positivos, outros mais sombrios, todos eles expressões de uma sociedade muito fragmentada e polarizada. Não é, pois, uma tarefa fácil. Quando tudo é mais ou menos previsível, o futuro fica à nossa espera e o caminho faz-se caminhando. Quanto tudo parece mais instável e incerto, o futuro não fica à nossa espera e quando lá chegamos muito provavelmente ele já lá não estará. Ou seja, o futuro padece de um paradoxo temporal, decide-se hoje no futuro do presente e vive-se amanhã no presente do futuro. E como é que se preenche essa trajetória entre o presente e o futuro, de tal modo que o futuro decidido hoje possa ser desdobrado e prosseguido e, assim, ser, tanto quanto possível, idêntico ou similar ao presente do futuro amanhã?

A política do futuro precisa, desde logo, de intencionalidade e profundidade, se quisermos, de propósito, sentido, linha de rumo e previsibilidade ao longo da linha do tempo. Quando tudo é mais ou menos previsível a política do futuro oscila entre a urgência e uma certa inércia administrativa. Quando tudo parece mais ou menos incerto a política do futuro oscila entre a burocracia da função e o minimalismo da missão PPP (prospetiva, programação e planeamento). No final, tudo é muito incaracterístico, inconsequente e pouco eficaz, entre o governo de função e o governo de missão.

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Infelizmente, investimos muito pouco no governo de missão PPP. Em contraponto, usamos e abusamos da retórica da inovação. Não surpreende, portanto, que o futuro se tenha tornado suspeito a este propósito. Não é especialmente prometedor e ninguém acredita nas suas promessas. Estamos na era da política negativa, ser contra o sistema instituído rende mais do que fazer promessas sobre o futuro.

E o que pensam os jovens em relação ao futuro, o seu futuro? Os jovens estão imbuídos de otimismo individual e pessimismo coletivo, mostram interesse pela coisa comum, mas não de forma coletiva. Tendem a pensar que o futuro é uma questão exclusivamente individual e não algo da competência da política. O futuro privatiza-se, pluraliza-se, fragmenta-se. Privatizada, a política é desprovida de qualquer ambição ou projeto transformador. A sociedade é uma amalgama de indivíduos privados, umas vezes clientes, outras utentes, consumidores, eleitores, etc. Não admira, portanto, a crise dos projetos coletivos, dos bens comuns, a menorização do contexto social e do espaço público. Em boa medida, a política foi capturada e serve, sobretudo, para realizar projetos individuais e corporativos. Salve-se quem puder no meio das relações de força que emergem com a globalização.

Aqui chegados, sem a presença efetiva de um governo de missão PPP no centro da governação o futuro do futuro continuará por descobrir, sobretudo, os projetos-mobilizadores, os bens públicos e comuns, as comunidades inteligentes e criativas onde se contam as comunidades de risco. Se tivermos medo do futuro vamos viver em liberdade condicional. É, pois, o tempo da liberdade criativa, da responsabilidade coletiva, da economia dos bens comuns e colaborativos, de um renovado associativismo, da cooperação descentralizada entre territórios como motores do progresso e do desenvolvimento. É novamente o combate pela confiança e pela renovação do capital social. De resto, existindo mais predisposição emocional do que disposição ideológica, há, neste momento, uma série de fatores que podem contribuir para uma certa decadência da política, por exemplo, o assédio funcional proveniente de outras áreas da esfera pública como a economia, o direito e a comunicação social, o modelo de digitalização da sociedade, a privatização e o narcisismo da realização pessoal, enfim, as limitações próprias da política representativa para levar a bom porto a transformação social.

Dito isto, se esta decadência se confirmar, a debilidade da política anuncia o que poderá ser o fim da democracia. Ora, justamente, o impulso da liberdade criativa em direção à política do futuro pode ser a salvação da política. O impacto das grandes transições e a governação da sociedade complexa reclamam essa liberdade criativa e exigem esse impulso à política do futuro, uma combinação bem doseada de governo de função, a administração do presente, e governo de missão, a administração do futuro. Se esta dosagem for bem realizada, o estado-administração da política do futuro deixará de ser um centro de poder vertical para ser uma coordenação policêntrica de bens públicos e bens comuns, uma governação indireta e multiterritorial de vários poderes colaborativos e uma regulação preventiva e avisada face ao risco das dinâmicas sistémicas, as interdependências múltiplas, os efeitos externos e secundários e a gestão do risco.

Como já referimos, um aspeto fundamental da política do futuro diz respeito aos modelos de rede e digitalização da sociedade. Neste particular, o futuro, manifestamente, já não é o que era. Os próximos anos vão ser dedicados a produzir uma espécie de second life para o universo digital que aí vem. E é aqui, nas futuras indústrias de rede, que entroncam todos os grandes tópicos do próximo futuro, a saber: os modelos de internet e suas hiperligações e protocolos, o âmbito e natureza do espaço público e das redes sociais, os limites da inteligência artificial e das máquinas inteligentes, a conceção dos direitos humanos e da privacidade pessoal, a extraterritorialidade e a evasão fiscal das grandes plataformas, a latitude da política regulatória dos estados em matéria de serviços digitais, a ciberguerra, a geopolítica da hostilidade e as políticas de segurança coletiva, a manipulação e edição genéticas e os limites bioéticos, as transições críticas para o transumanismo e o pós-humanismo. É a balcanização da internet e das políticas de digitalização das sociedades que está, doravante, em jogo. Ora, a política foi, precisamente, o grande procedimento que encontrámos para resolver os conflitos e escaparmos à sua inevitabilidade. Por isso, a grande politização que nos espera é a do mundo digital e respetivos modelos de digitalização das sociedades. Está em curso uma batalha global pela estrutura tecnológica das redes e sua conexão geral e, bem assim, pelos modelos de democracia e autocracia digital correspondentes, se quisermos, pela instrumentalização dos modelos de digitalização das sociedades e a sua subordinação aos interesses da geopolítica da segurança.

Notas Finais

A nossa inquietação face ao futuro tem muito a ver com a falta de confiança nas instituições que são administradas pela política representativa. Para lá do excesso de expetativas, talvez seja aconselhável gerir a deceção política como um espaço de possibilidades em aberto, pois a incerteza e a inquietação acerca do futuro abrem outras pistas, outro sentido para a ação política desde que saibamos manter uma relação saudável e racional com o futuro. De resto, o ativismo e a resignação não nos levam a lado nenhum.

A antecipação das tendências do futuro, as incursões do método prospetivo em previsões e cenários e as etapas da programação e do planeamento ajudam-nos a delimitar o campo das possibilidades que precisam de ser exploradas. Nesta trajetória empreendida pelo governo de missão, a aprendizagem e a cooperação entre os agentes principais estão sempre muito associadas à estruturação do espaço público, às suas funcionalidades e disfuncionalidades, sobretudo agora, no que diz respeito às comunidades inteligentes e criativas da era digital, um dos principais interpretes da nova política do futuro.

Neste plano, a cidade carrega o valor da cidadania, mas revela-se incapaz de promovê-lo. O espaço público está cada vez mais segmentado e desacreditado. A desvinculação da política como espaço de mediação e regulação e os fenómenos de privatização do público e politização do privado confundem os comportamentos no campo da esfera pública. Ora, como sabemos, a representação direta designa-se por demagogia e populismo, mas a representação indireta precisa de um espaço público que promova e proteja as comunidades inteligentes e criativas sem as quais não haverá interlocutores acreditados e competentes para realizar qualquer tipo de futuro digno desse nome. Num espaço público fragmentado e excessivamente corporativo, as comunidades inteligentes e criativas em formação que visam contrariar os interesses corporativos e beneficiar os interesses gerais, públicos e comuns, sofrem de um défice de representação e revelam dificuldade em se articular no espaço público. É a força dos laços fracos que está em questão. Teremos de voltar ao assunto mais à frente.