Em 27 de abril, o Conselho de Segurança adotou por unanimidade a Resolução 2681 (2023), na qual condena a decisão tomada pelo governo talibã, em 5 de abril, de proibir as mulheres afegãs de trabalhar para a Organização das Nações Unidas (ONU) no Afeganistão, estendendo assim a proibição já existente relativa às organizações não governamentais internacionais e nacionais. Esta medida, inédita na história onusiana, foi imediatamente denunciada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que lembrou a importância crucial do pessoal feminino para o funcionamento da Organização.
Pela Resolução 2681 (2023), adotada por iniciativa dos Emirados Árabes Unidos e do Japão, o Conselho de Segurança proclama que tal proibição irá comprometer “os direitos humanos e os princípios humanitários” (§1). Por conseguinte, o Conselho apela à “participação plena, igualitária, significativa e segura das mulheres e meninas no Afeganistão”, exortando o governo talibã a reverter prontamente todas “as políticas e práticas que restringem o pleno gozo pelas mulheres e meninas dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo o acesso à educação e ao emprego, a liberdade de circulação e a participação plena, igualitária e significativa das mulheres na vida pública” (§2).
A este respeito, no seu preâmbulo, enquanto a resolução reafirma “o seu apoio ao princípio de que cabe aos próprios Afegãos determinar, de forma global e inclusiva, o futuro político e o modo de desenvolvimento do país”, à luz do alarmante contexto económico e humanitário que se vive no país, recorda também “o papel indispensável que as mulheres desempenham na sociedade afegã”, em particular nas intervenções humanitárias. Todavia, a ajuda humanitária só pode ser prestada de forma eficaz se houver um acesso total, rápido, seguro e sem entraves a “todo o pessoal humanitário, incluindo as mulheres” e se as mulheres e as meninas também puderem aceder com segurança a essa ajuda e aos serviços básicos.
Esta resolução foi aprovada num momento em que os direitos mais elementares das mulheres e meninas no Afeganistão estão a ser continuamente espezinhados. Sobre este ponto, muitas ONG, inclusive a Amnistia Internacional, denunciam o facto de a vida das mulheres e meninas no Afeganistão estar a ser devastada pela repressão exercida sobre os seus direitos fundamentais.
Desde o seu retorno ao poder pela força das armas em agosto de 2021, duas décadas após a sua deposição, as autoridades talibãs impuseram uma interpretação particularmente rigorosa da lei islâmica, descrita em março passado como um “apartheid de género” pelo Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos no Afeganistão, Richard Bennett. De facto, os Talibãs negam os direitos das mulheres e meninas à educação, ao trabalho e à liberdade de circulação. Entre outras coisas, destruíram o sistema de proteção e assistência às pessoas que fogem da violência doméstica e contribuíram para o aumento do número de casamentos precoces e forçados.
Se é essencial que os Talibãs cumpram a resolução, revogando imediatamente as proibições e restrições aos direitos das mulheres e meninas e libertando as pessoas detidas por se terem manifestado ou se terem expressado contra tais medidas, o texto é, todavia, omisso quanto à responsabilização do governo talibã, a autoridade de facto no país, por estas violações graves e sistemáticas.
Até à data, é claro que tiveram pouco efeito os esforços envidados para levar o Estado afegão a respeitar o Direito Internacional dos Direitos Humanos, incluindo os direitos das mulheres que, ao contrário da posição defendida pelo governo talibã, não são uma “questão social interna”. É, portanto, essencial que esta resolução seja acompanhada de uma forte pressão internacional, de forma a recordar a universalidade e inalienabilidade dos direitos das mulheres e meninas.
É nesse sentido que a resolução “exorta todos os Estados e todas as organizações a usar a sua influência, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, para promover o cancelamento urgente dessas políticas e práticas” (§2).
É também neste sentido que a resolução insiste na importância não só de uma “presença constante” da Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) e das estruturas onusianas “em todo o Afeganistão”, mas também de um diálogo entre todas as partes interessadas afegãs, a região e a comunidade internacional (§5).
Para tanto, o secretário-geral das Nações Unidas organizou nos dias 1 e 2 de maio, em Doha (Catar), discussões sobre a melhor abordagem a ser tomada para levar o Afeganistão a respeitar os direitos das mulheres. Essas discussões reuniram representantes de 25 países e organizações, incluindo enviados especiais dos Estados Unidos, China e Rússia, bem como os principais doadores, excluindo representantes dos Talibãs. Se a questão do reconhecimento internacional do governo talibã não estava na ordem do dia, uma ação urgente é vital num país que vive atualmente a mais grave crise humanitária no mundo. Entre os 28 milhões de habitantes, estima-se que dois terços precisarão de assistência humanitária para sobreviver este ano, enquanto pelo menos 97% vivem na pobreza.