A internet é hoje a “ágora” na qual todos os cidadãos têm voz para falar dos temas de interesse geral. É, aliás, cada vez mais raro o chefe de Estado que não use redes sociais para comunicar opiniões e decisões políticas.
Porém, a liberdade que a internet nos oferece é cada vez mais vista como uma ameaça à própria Democracia. O escândalo da Cambridge Analytica é o exemplo mais paradigmático: durante as eleições americanas em 2016, os dados de 87 milhões de utilizadores do Facebook foram usados, sem o seu consentimento, para lhes direcionar propaganda política, consoante o seu perfil, de forma a influenciar o seu voto.
Este tema tem sido alvo de debate na União Europeia, existindo atualmente um Código de Conduta adotado voluntariamente pela Microsoft, Google, Mozilla, Facebook e Twitter, em articulação com as instâncias comunitárias. O objetivo é aumentar a transparência da publicidade (identificando os seus financiadores), eliminar bots e identificar as fontes (não) credíveis de informação. O Facebook, que começou por afirmar que não iria proibir a publicidade política, nem controlar a veracidade dos factos, anunciou, recentemente, estar a usar empresas de verificação de factos. Já a Google anunciou que, a partir de 2020, apenas permitirá o direcionamento da sua publicidade consoante a idade, o género e a geografia. Recentemente, o Twitter foi mais longe e, desde novembro, deixou de permitir a divulgação de propaganda política.
O Bom:
A propaganda dirigida aos eleitores consoante as suas preferências (“microdirecionamento”) é eficaz, não sendo, necessariamente, ilegal. Por exemplo, um comício sobre a precariedade dos professores junto de Escolas ou um anúncio na TV durante o período da manhã (visando reformados ou desempregados) não levantam quaisquer questões. A possibilidade de os partidos poderem direccionar a sua propaganda na internet consoante o público-alvo a que querem chegar permite ainda poupar custos.
O Mau:
O primeiro problema do “microdirecionamento” está na utilização de dados pessoais de cidadãos, criando perfis de eleitor, sem o seu consentimento, com o fim de influenciar votos.
A isto acresce que o “microdirecionamento” é um campo fértil para a desinformação: se uma notícia/vídeo falso for apenas vista por 1000 pessoas, será mais difícil contestar a sua veracidade. Antes, nos media tradicionais, a mesma propaganda era transmitida em massa e a todos os cidadãos. Hoje, o perigo de um partido passar uma mensagem a uns eleitores e outra diametralmente oposta a outros, de forma a captar votos, é real. A liberdade de expressão e de informação necessita de uma pluralidade de fontes para que possamos discutir os mesmos assuntos.
O Vilão:
A defesa da Democracia não deve ficar a cargo de empresas, dado que, por definição, estas visam o lucro.
Mesmo a solução do Twitter, de impedir a propaganda política (que lhe retirará negócio) é criticável. Proibir a propaganda política em prol da Democracia, seria como proibir a plantação de árvores em prol do ambiente, devido ao número de incêndios. Os Estados, ao permitirem que as redes sociais “cortem o mal pela raiz”, não asseguram o ideal democrático de que a política deve ser aberta a todos e de que o discurso político se combate com mais discurso. Como disse Charles de Gaulle, “nada faz realçar mais a autoridade do que o silêncio”. Não é por acaso que a lei portuguesa, em períodos eleitorais, impõe aos órgãos de comunicação social um respeito pela equidade e representatividade dos candidatos nos debates e noticias, ou de igualdade nos tempos de antena.
A segunda razão para não confiarmos às redes sociais a tarefa de selecionar a informação política que pode ou não ser circulada é a dificuldade em distinguir conteúdo político de informativo. Por exemplo, um vídeo sobre o nível da criminalidade praticada por imigrantes pode ter o fim de informar ou de favorecer partidos conservadores. Se a solução for a proibição, a liberdade de informação sairá prejudicada. Em regra, os Estados e as redes sociais apenas devem restringir conteúdos que sejam ilegais (incentivo ao ódio, pornografia infantil, etc.). Note-se que o exemplo é real: durante as eleições americanas de 2016, vídeos sobre a criminalidade dos mexicanos foram dirigidos ao eleitorado tido como “indeciso”, influenciando-os a votar em Donald Trump (cuja campanha gastou 70 milhões de dólares no Facebook).
Por tudo isto, urge discutir se os Estados devem ou não regular a propaganda política nas redes sociais regulando ou proibindo o “microdirecionamento” e aumentando a transparência dos algoritmos por detrás dos anúncios políticos. Para já, a União Europeia basta-se com o código de conduta, apesar de o Comité Económico e Social Europeu ter proposto, em março de 2019, que a Comissão Europeia propusesse sanções para o seu incumprimento.