O objetivo deste artigo é o de partilhar as características de uma intervenção através de uma abordagem terapêutica ecológica de casos de crianças e jovens supostamente “violentos” vividas em sofrimento por eles e pelas suas famílias. Baseio-me na minha reflexão sobre muitos casos da minha experiência profissional com várias famílias de crianças e adolescentes (Delgado-Martins, 2017) que sofrem, porque se sentem sozinhas, sem saber como lidar com um filho com comportamentos “violentos”, situações que bem podem ser similares àquela acompanhámos esta semana nos media.
Este caso suscitou-nos uma reflexão sobre as práticas de avaliação e intervenção com crianças em situação de risco ou perigo que utilizamos e um motivo para partilhar alguns dos seus fundamentos e procedimentos.
Recentemente, surgiu nos media uma notícia envolvendo um rapaz de 12 anos (chamemos-lhe Pedro) … que esfaqueou seis colegas na Escola Básica da Azambuja…dentro do recinto escolar…. após mandar a PJ deter o jovem, que golpeou os colegas, cinco meninas e um menino entre os 11 e os 14 anos… foi ontem à tarde presente a juiz, na Comarca de Família e Menores de Vila Franca de Xira…. A Procuradoria-Geral da República referiu que o Ministério Público….abriu um inquérito tutelar educativo ao aluno de 12 anos, no dia seguinte aos factos, para verificar a possibilidade de um surto psicótico ter estado na origem do ataque no recinto escolar…o Ministério Público determinou a avaliação psiquiátrica…. a equipa de pedopsiquiatras do Hospital Dona Estefânia …. submeteram-no a exames de saúde mental…. perante a ocorrência, foi dada resposta imediata por parte dos Bombeiros de Azambuja, Bombeiros de Alcoentre, GNR, Cruz Vermelha de Aveiras de Cima, Serviço Municipal de Proteção Civil, VMER de Vila Franca de Xira e Polícia Judiciária…a comunidade está em choque porque nada fazia prever o ataque…. de acordo com a comunidade escolar, o aluno não tinha comportamentos anteriores de violência……Juristas explicam que o estudante deverá ficar internado numa instituição vocacionada para menores e que até os pais podem ser responsabilizados…o jovem vai ser colocado num centro educativo… medida mais gravosa divide os especialistas” (compilação nossa de informações de várias fontes da comunicação social).
Ainda que desconhecendo os contornos do seu enquadramento, o caso suscita-me a necessidade de partilhar uma reflexão no âmbito da intervenção social com famílias em situação de risco ou perigo, onde penso ter que haver coragem para inovar nos princípios e metodologias de avaliação e intervenção de modo a prevenir o seu bem-estar.
Um dos objetivos desta intervenção deve ser o da proteção urgente/imediata das crianças e adolescentes, como pessoas de direitos próprios. Este tipo de intervenção deve também procurar contrariar as avaliações e intervenções descontextualizadas (retiradas do contexto natural, da realidade das famílias), muitas vezes lineares ou determinísticas e valorizar uma interação entre os profissionais e a família motivando esta última para uma mudança global. Com efeito, a abordagem deve ser terapêutica, global e contextualizada, na procura de soluções para os problemas das famílias, através de uma transformação dos seus comportamentos e atitudes, com o objetivo de lhes proporcionar a capacidade para exercerem de forma saudável a parentalidade, promovendo o bem-estar físico, social, emocional, cognitivo e comportamental dos filhos, reduzindo ou eliminando o seu sofrimento e assegurando a sua proteção imediata.
A nossa experiência mostra-nos que as sinalizações e diagnósticos dos problemas das famílias, realizadas, muitas vezes, longe dos seus contextos de vida nem sempre correspondem aos “dados reais” das famílias. Neste modelo de intervenção é fundamental conhecer a realidade das famílias observando os contextos e as interações familiares entre pais e filhos, em casa, em passeios e noutras rotinas diárias do seu dia-a-dia, permitindo a compreensão do contexto e das necessidades da família como um todo e assim da dinâmica familiar vivenciada. Esta realidade social não é possível ser observada apenas em entrevistas, exames, no espaço do gabinete/serviço, nem através escalas de atitudes parentais ou entrevistas.
É preciso, por exemplo, que se reconheçam as evidências que permitem sustentar o valor de uma prática dos profissionais orientada para uma intervenção nos contextos de vida das famílias e das organizações com ela relacionadas (nas escolas, municípios, serviços de saúde, justiça, empresas, serviços prisionais e outros), evitando que a prática profissional se limite ao aconselhamento em gabinete e consultório, circunstância importante, mas incompleta no acesso a fontes decisivas de informação para avaliar, preparar e monitorizar a intervenção, nomeadamente em estreita articulação com outros profissionais desses setores.
Por exemplo, uma conversa em casa, a partir das atividades que aí se desenvolvem, ajuda a identificar as necessidades particulares de cada criança ou adolescente, ou de cada família e deve acontecer sempre que alguém, pessoa ou instituição, com responsabilidades educativas realiza um pedido de auxílio. Nessas circunstâncias, a função do profissional não é só inferir os problemas reais a partir dos problemas relatados, mas fundamentar-se em evidências da observação que realiza das circunstâncias em que estes ocorrem. Nem sempre quem pede ajuda consegue verbalizar adequadamente aqueles problemas, dependendo esta verbalização da tomada de consciência das circunstâncias que os motivam, bem como das expectativas e da disponibilidade para os alterar.
É contrariando esta tendência que consideramos fundamental aprofundar o conhecimento dos contextos familiares, através de intervenção não sobre as famílias, mas sim com elas, o que permitirá entender melhor a sua realidade de vida. Neste âmbito, é importante que o profissional desenvolva uma escuta diferenciada dos elementos da família, evitando o uso de pré-juízos baseados em teorias preestabelecidas de funcionamento das famílias. Além disso, exige-se um trabalho em equipa transdisciplinar, em parceria, articulado, coordenado e personalizado (Delgado-Martins, 2017).
Esta intervenção deve desenvolver-se com base na complementaridade e diálogo entre os profissionais normalmente envolvidos, psicólogos, professores, educadores, assistentes sociais, enfermeiros, médicos, juristas, procurando otimizar o contributo das diferentes áreas do conhecimento e da sua interação. Consideramos que a intervenção se deve basear num trabalho de equipa, composta por profissionais de várias áreas, que trabalhem de uma forma colaborativa, e cuja intervenção é prestada sob a coordenação por um elemento da equipa, o gestor de família, que se deve ser sempre apoiado pelos outros profissionais da equipa. Desta forma, a família não é sobrecarregada com visitas de diversos especialistas e pode estabelecer mais facilmente uma relação de confiança com o mediador. A existência de um gestor da família, é um fator promotor de continuidade e segurança para as famílias, perante a mudança sistemática de instituições e profissionais ao longo da intervenção.
Esta intervenção tem que fomentar a proximidade e a disponibilidade para trabalhar com outros intervenientes, a partir do acompanhamento das famílias aos locais onde os conflitos são resolvidos, espaços de vida das crianças e das famílias, como a escola, os serviços de saúde, entre outros. Neste sentido, outro pilar da intervenção deve ser a articulação e interação com redes formais e informais de suporte (família próxima, amigos, vizinhos, escolas, organizações de saúde e outras estruturas), procurando soluções de apoio e recursos que respondam às necessidades das famílias.
É também muito importante assegurar o seguimento sistemático, numa intervenção com as famílias de proximidade, individualizada, numa relação de empatia, confiança e a disponibilidade permanente para atender às preocupações das famílias. As situações críticas do dia-a-dia desta família não são completamente previsíveis. Quando acontecem têm que ser consideradas oportunamente. Deste modo, é fundamental facultar meios de contacto permanente às famílias, aos profissionais e instituições, via email e/ou telefone (sms, voz), de modo a que as situações críticas possam ser oportunamente relatadas e ser desenvolvido o necessário apoio à sua gestão.
Esta abordagem técnica deve promover a transparência para todos os envolvidos, sendo que a família deve participar ativamente na avaliação que lhe é realizada e ter conhecimento direto dos seus resultados, para que depois possa ser possível realizar, em conjunto, as propostas de mudança com estratégias e soluções (planos de intervenção) compreendidas e desejadas por todos, preconizando uma intervenção segundo um modelo restaurativo e contrariando o modelo punitivo e com sanções.
É neste contexto da avaliação e intervenção das crianças e jovens e situação de risco ou perigo que surge a necessidade de repensar a prática profissional no âmbito da intervenção social, inovando metodologias e princípios de intervenção.