Circulam, cada vez mais, pelas escolas frequentadas por adolescentes, sobretudo nos grandes centros urbanos, “escolhas” cada vez mais precoces, relacionadas com a sua identidade sexual, que se vão instalando sem grande contraditório. Através das quais eles, desde muito cedo, ora se assumem como heterossexuais, ora como homossexuais, ora como bi-sexuais, ora como pan-sexuais. Muito antes de terem a experiência mínima indispensável para terem uma ideia acerca da sexualidade. Sobretudo, da sua sexualidade. E para aquilo que ela “serve”. Como se essa “escolha” marcasse a diferença com que se pretendem estruturar diante de si próprios e dos outros. Com todos os comportamentos subsequentes que entendem tomar, a parir daí.

É evidente que o discurso sobre a sexualidade não pode nem deve evitar as questões que, de algum modo, marcam a agenda da própria adolescência. Mas talvez não devêssemos fugir a elas sem que, duma forma leal, as pudéssemos conversar. Começando pelo princípio: vendo bem, a sexualidade não é uma questão menor na adolescência. Mas também não é “a questão” das questões que a define e a estrutura. A adolescência não será somente a “adaptação” às transformações físicas e psicológicas que decorrem da puberdade. Ela é, também, consequência das transformações de todo o sistema nervoso que decorrem daí. Onde se inclui, por exemplo, quer a emergência da sexualidade; quer, também, as profundas transformações de perspectiva que as pessoas, a vida e o mundo trazem consigo. O “quem sou eu?”, incontornável na adolescência (e que talvez não se perdesse que o repetíssemos, várias vezes, ao longo da vida) admite que, entre outros aspectos, se interpele a sexualidade. Em todos os seus porquês. Mas não se esgota aí. E se, por vezes, isso vai acontecendo, não é tanto porque haja quem marque a agenda dos adolescentes. Mas porque, duma forma “fofinha”, nos encolhemos de discutir a adolescência com eles. Como se, muito mais do que de outros aspectos, parecêssemos fugir dos assuntos que orbitam em redor da sexualidade.

Não acho, ao contrário daquilo que vou escutando, que a adolescência “tenha de ser” um período, por inerência, turbulento. E, quase “fatalmente”, ameaçador para as relações entre os adolescentes, os pais e a família. É claro que a adolescência traz consigo muitos períodos de “montanha russa”. E é inequívoco que, desde a mudança do corpo, com a puberdade, até aos “solavancos da cabeça” (e ao impacto que tudo isso tem quer nas dinâmicas familiares quer nas relações sociais), há muitos períodos muito difíceis e muito dolorosos em todas as adolescências. Até porque, inevitavelmente, eles “transbordam” para os desempenhos e para as relações escolares. O que faz com que, em diversos momentos, a vida de um adolescente tão depressa pareça “arrumadinha” como, ao mesmo tempo, sugira que está quase tudo, razoavelmente, “fora do lugar”. Não fosse, aliás, o suporte do grupo dos adolescentes, e muitas adolescências teriam custos muito maiores. Porque o grupo lhes dá grelhas de leitura e suporte afectivo — matizados por toda a inexperiência própria da adolescência — que muitas famílias não são capazes de lhes oferecer.

Como se nada disto já não fosse bastante, as relações com os pais degradam-se, na adolescência, muitas vezes. Não porque tenha de ser. Mas talvez porque os pais vivam demasiado a medo a adolescência dos filhos. Talvez porque não tenham tanto em consideração, como deviam, a forma como os adolescentes falam mais por actos e por omissões do que, propriamente, por palavras. Talvez porque os pais não entendam nem os murmúrios, nem as meias-palavras nem a forma como eles “pedem colo ao encontrão”, com formatos muito condensados de linguagem, através dos quais ficam à espera que os pais os adivinhem e se revelem como verdadeiros reservatórios de bom senso e de autoridade. Talvez porque os pais tolerem muito mal a forma como são interpelados em relação a muitos dos seus actos. Talvez porque só nessa altura eles reconheçam muitas das falhas com que confundiram a autonomia dos filhos com alguma “auto-determinação” excessiva que lhes concederam. Talvez, também, porque os pais ora precipitam os filhos para as adolescências que eles (pais) não tiveram, mas que gostariam de ter tido. Como, também, porque os pais tentam proteger os filhos dos seus próprios erros de adolescência. E, no meio disto tudo, quase percam de vista a sua função de matriz de homem e de mulher que, cada um deles, tem, de forma incontornável, na assumpção da identidade de um filho. Desde a sua identidade de género à própria identidade sexual. Sejam quais forem as escolhas que, mais tarde, eles venham a fazer

Ou seja, faz diferença um adolescente ter uma mãe e um pai, inequivocamente presentes, como pais, merecendo, de forma diversa, reconhecimento e admiração. O que lhe permitirá identificar-se a um e a outro. E a outras demais pessoas significativas do seu crescimento, sejam elas homens ou mulheres. Ou, por exemplo, quase no outro “extremo”, crescer “contra o pai” ou “contra a mãe”, sem outras quaisquer pessoas que lhes tragam contraditório a essas identificações, como se tudo aquilo que um adolescente quisesse, nessas circunstâncias, fosse não replicar o “modelo” de homem ou de mulher de cada um dos seus pais, sobretudo quando isso vem quase sempre acompanhado de dor e conflito. Isto é, a forma como assumimos a nossa identidade não é estranha aos pais, à família, aos papéis assumidos pelos pais e a muitos outros exemplos de identificação que temos, ao longo do nosso crescimento. E, como não podia deixar de ser, a variadíssimos acontecimentos de vida que contribuem, eles também, talvez de modo muito menos significativo, para a forma como edificamos e assumimos a nossa identidade. Com este pormenor: por mais que sejamos homens ou mulheres, atendendo às pessoas significativas, de sexos diferentes, que traduziram em bons exemplos a forma como trouxeram alicerces ao nosso crescimento, somos todos um bocadinho “bissexuais”, por dentro. Reparem nas aspas, por favor. E não partam daí para, duma forma precipitada, legitimarem uma ideia pan-sexual de sexualidade que muitos adolescentes “demasiado” jovens reclamam para si. Mal seria que a nossa identidade não fosse alimentada por pessoas de sexos diferentes que contribuíram para nos reconhecermos (ou não) na identidade que temos; em construção! Ora, este é “o problema”: a identidade não se constrói tão repentinamente como muitas dessas “escolhas”, assumidas aos 12 ou aos 13, parecem querer indicar.

O que me preocupa, verdadeiramente, é que, por omissão, se permita que os adolescentes “saltem”, muitas vezes, da identidade de género para a identidade sexual; sem “passarem” pela construção da identidade, propriamente dita. Porque todos os “quem sou eu?”, “como quero vir a ser?” ou “em que medida quero replicar (ou evitar) os exemplos, como pessoas dos pais que eu tenho?” são preciosos e incontornáveis. Como não deixa de ser indispensável o conflito que isso traz à adolescência: “Como é que consigo viver tudo aquilo que é contraditório, dentro de mim, e, justamente com isso, posso escolher quem quero ser?”. Sem esquecer outra questão essencial. Como, por exemplo: “com quem posso contar para ser quem sou?”. Isto é, construir-se uma identidade de dentro para fora dá-lhe uma dimensão esquelética na qual assentam todas as outras escolhas. Entender que aos 12 e aos 13 a identidade sexual é o suporte de todas as outras escolhas — merecendo isso uma atitude assustada e encolhida dos pais — já se torna muito escorregadio. Não é leal da nossa parte. Nem o exemplo de “cabeça aberta” que muitos pais imaginam que isso seja.

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