Há 50 anos, estava na moda dividir a sociedade em duas classes, burgueses e proletários, seguindo influências intelectuais predominantes na época. E assim se discutiu muita política e foram tomadas decisões de grande alcance. Inevitavelmente, fez-se asneira. Na sociedade portuguesa não havia assim tantos burgueses verdadeiros e, com exceção do Alentejo, no país não abundavam proletários propriamente ditos.

Fazer política com base em abstrações desligadas da realidade não dá grandes resultados. Mas isso não foi razão para que deixássemos de a fazer. Passados uns anos, vieram as modas associadas à evolução do trabalhismo inglês. Como então se suspeitava, onde nos manuais de intervenção política o velho trabalhismo dizia trabalhadores, o novo trabalhismo passou a dizer consumidores. O resto do texto dos manuais deve ter ficado mais ou menos na mesma. Em Portugal largos setores do PS e do PSD foram logo conquistados pela ideia. E os interesses  que eram atribuídos aos consumidores substituíram os dos trabalhadores como fonte da luz dirigida à parte portuguesa da humanidade.

Isto era ainda compatível com a adesão entusiasta a outra grande moda intelectual dos anos 1990 e 2000, o liberalismo, tido como resposta imediata a tudo quanto era problema da época, alicerçado nessa coisa espantosa que foi o consenso de Washington. Eliminando ou reduzindo a intervenção do Estado não haveria nada que não se resolvesse. Deu asneira, cá e lá fora, como não podia deixar de ser – e se vê todos os dias.

Um dos benefícios das crises de 2008 a 2011 foi ter evidenciado os limites destas coisas. Ninguém se define só pela sua condição perante o trabalho. Nem perante o consumo. Existem é pessoas e famílias com crenças, perspetivas, necessidades e ambições legítimas. O problema político é criar condições para que consigam ter oportunidades de emprego compatíveis com os seus projetos e ambições, dadas as circunstâncias.

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Não tem havido grande densificação destas coisas na nossa política. Em vez disso tivemos uma novidade, acompanhando também o que se passa noutros países europeus. É a definição de políticas de acordo com a divisão da sociedade segundo gerações. O nosso Governo explicitou o que os anteriores já tinham andado a fazer aos poucos: consagrou juventude e velhice como categorias políticas. E dividiu os portugueses que pagam impostos e compram ou alugam casas, quase toda a gente portanto, em dois grupos: os que têm mais de 35 anos e os que têm menos de 35 anos.

A opção do Governo tem um mérito, pelo menos. É procurar resolver alguns problemas específicos nos mercados de trabalho e de habitação. Mas que problemas? E só quem tem menos de 35 anos é que os tem? E todos os enfrentam da mesma maneira? O Governo não partiu de uma identificação fundamentada das razões pelas quais no mercado de habitação há muita gente sem casa e no mercado de trabalho há muita gente a emigrar. Estando por identificar as causas de um problema, a política que o procura resolver pode ser bem definida? Com que custos? Quais as alternativas? É o eterno problema dos nossos processos de decisão política.

É natural que o Estado apoie grupos específicos, desde que fundamentadamente. Sem fundamentação, fica-se só com mais uma divisão da sociedade em classes, agora os novos e os velhos. É o costume, mas não é bom costume. A única novidade em relação ao passado é que juventude e velhice são categorias dinâmicas: a pertença a qualquer uma delas é sempre transitória. Pensando bem, é uma vantagem. Parece melhor do que ser definido como proletário ou consumidor toda a vida.