O “conflito” – chamemos-lhe assim — entre a direcção de informação da RTP e a equipa do programa “Sexta às 9” chegou agora à fase das demissões. Muitos já falaram das pessoas nesta história. Faz certamente sentido. Mas há um risco: o de levar à ilusão de que, com outras pessoas na direcção ou na redacção, a informação da RTP não justificaria, como agora, audições e debates na Assembleia da República sobre a sua independência. O problema da RTP não está nesta ou naquela pessoa. O problema da RTP está em ser propriedade do Estado, e de essa propriedade justificar em Portugal, com boas razões, todas as dúvidas e suspeitas.
Em carta à administração da RTP, a directora de informação demissionária aludiu à necessidade “de um jornalismo vigoroso e rigoroso, livre e independente, isento e plural para robustecer as sociedades democráticas”. Ora, um órgão estatal está por natureza incapaz de proporcionar um jornalismo que seja percepcionado assim. Talvez a RTP esteja, a esse respeito, numa desvantagem especial: foi criada para servir o poder, e os seus noticiários satisfizeram sempre os interesses dos governos nos vários regimes: foram salazaristas no tempo do salazarismo, comunistas no tempo do PREC, e convieram depois a todos os partidos que estiveram no poder. O governo de Pedro Passos Coelho julgou, em tempos, ter resolvido o problema, ao engendrar um mecanismo, através do Conselho Geral Independente, para anular a interferência directa do governo na escolha da administração da RTP. Mas não foi por isso que o caso do “Sexta às 9” deixou de lembrar polémicas do passado.
A questão não está, portanto, em procurar pessoas que, na direcção de informação ou na autoria de programas, garantam nunca tomar partido, porque não é possível imaginar, para a televisão pública em Portugal, um sistema capaz de dissipar a suspeita de governamentalização, e portanto o descrédito da sua informação. Como se viu com o caso do “Jornal das sextas-feiras” da TVI em 2009, no tempo de José Sócrates, nem os meios de comunicação privados estão livres das mãos governamentais. Que esperar da televisão pública, ainda para mais quando os correligionários de Sócrates continuam no poder?
A credibilidade da informação só pode ser atingida, no conjunto dos meios de comunicação social, pela concorrência e pela escolha dos consumidores, isto é, por um mercado aberto e, claro, devidamente regulado. Uma empresa de comunicação social do Estado será sempre um problema, mesmo que a sua direcção e a sua redacção fossem compostas por anjos. É que mesmo os anjos acabariam sujos, porque a uma estação pública se exigirá sempre, por causa da sua propriedade, uma imparcialidade impossível de demonstrar. É por isso que até a BBC, geralmente invocada como o exemplo de uma televisão estatal independente, não está acima das suspeitas, sobretudo num tempo de polarização política. Neste momento, os Trabalhistas acusam-na de os ter feito perder as eleições, e os Conservadores boicotam o seu principal programa de informação e ameaçam diminuir-lhe o financiamento.
Numa empresa de comunicação social do Estado, todas as decisões editoriais podem tornar-se questões políticas, para serem discutidas no parlamento. Por isso, em vez de ser modelo de rigor e de fiabilidade, a informação estatizada está destinada a ser fonte de polémica e factor de descredibilização do jornalismo que é suposto convir às democracias. Não, a comunicação social propriedade do Estado ou subsidiada pelo Estado nunca teve salvação, e continua a não ter. À mulher de César, não bastava ser virtuosa, precisava também de o parecer. A televisão de César nunca conseguirá ser nem parecer virtuosa.