A teoria recebida é que a eficácia política requer extroversão. Os políticos que são admirados pela maioria parecem ter um talento especial para se dar com as outras pessoas; nem sempre necessariamente o de lhes dizer o que elas querem ouvir, mas quase sempre o de manifestar interesse por aquilo que pensam. Pelo contrário, os sorumbáticos contam-se entre os grandes ineptos da história da política: a sua reserva parece ser um obstáculo à eficácia. Pressuporão sempre as relações políticas manifestações de interesse pelo próximo, e desembaraço verbal?
Pressente-se que existe uma ligação entre certos traços de carácter e o talento político. A quem não os tenha e apesar de tudo aspire à actividade e à glória política restariam as avenidas da dissimulação. Um sorumbático poderá por esse processo adquirir pele de congenial. O desfecho é porém incerto: ao fim de algum tempo começa a notar-se que a personalidade afável não foi feita à medida, como um cão modificado ou uma criança amestrada. Acreditamos que os talentos inatos foram feitos à nossa medida pelo melhor alfaiate, e tendemos a considerar pouco os talentos adquiridos posteriormente; e ainda menos os adquiridos através da dissimulação.
Parece pois que os tímidos não têm possibilidade de contribuir para o bem comum. Não existem estatísticas de confiança sobre o número de tímidos no mundo, e com certeza esse número deve variar de país para país, e de comunidade para comunidade. Mas não será em média inferior a um terço dos membros da espécie (compreendendo nesse terço aqueles que por dificuldades físicas não conseguem usar as palavras ou aproximar-se dos outros como deve ser); o que indica que a uma minoria substancial da humanidade está vedada a preocupação com o público. Esta tese será mais exacta no caso daquelas comunidades cujos membros apreciam de modo particular ter pessoas simpáticas e conversadoras por perto. Mas nem todas as comunidades têm a mesma simpatia pela simpatia; ou pelo menos há algumas que não têm tanta antipatia pela antipatia. Apenas nestas comunidades os sorumbáticos com inclinações políticas podem encontrar perspectivas profissionais.
Quererá isso dizer que se, por azar ou por descuido, se nasceu tímido numa comunidade inclinada ao verbo não existe qualquer modo de poder contribuir para o bem comum? Os autores antigos dividem-se sobre esta matéria. Alguns são de opinião de que a preocupação pelo bem comum sem capacidades verbais e um feitio amistoso é impossível; as disposições políticas são inseparáveis da sua exteriorização verbal, e de um comportamento desempenado. Outros porém acham que a ideia de bem comum é tão boa que não requer que se disfarce a falta de vontade ou de jeito para conversar ou falar com os outros acerca dos nossos planos. Se for assim, embora possa sempre afectar um pouco o reconhecimento e a fama, a timidez não obstará em princípio às actividades políticas dos tímidos.