O Governo da Aliança Democrática, com a legitimidade própria de quem venceu eleições há pouco mais de meio ano, tem a natural aspiração de projetar, em 2025, parte do seu Programa no Orçamento do Estado, o que é o mesmo que dizer “na vida concreta das pessoas”. Nunca, na história da nossa Democracia, um Governo viu o seu primeiro Orçamento chumbado, precisamente porque sempre foi reconhecido aos Governos o direito a, pelo menos no primeiro ano, aplicar as suas ideias.

Refiro-me ao Orçamento do Estado, partindo para uma reflexão que creio ser importante partilhar, de acordo com a experiência que tenho tido nos últimos anos. Acredito que vivemos, em Portugal e na Europa, um momento decisivo para as nossas Democracias. Eu diria mesmo: um desafio existencial para a Democracia europeia. A urgência de resgatar a moderação já não apenas no discurso político, mas sobretudo na prática política dos líderes políticos do espectro democrático.

Ao longo dos últimos anos vimos assistindo aquilo que muitos apelidam de “ascensão da extrema-direita” ou que outros chamam de “ameaça à civilização ou identidade”. Uns, num extremo, dizem que enfrentamos o regresso do fascismo e que temos de lutar contra a “ultradireita”; outros, noutro extremo, dizem que a nossa cultura, as nossas tradições e a nossa identidade estão ameaçadas por movimentos woke globalistas. Não quero menosprezar a ameaça que o radicalismo político representa nas ruas e nas instituições, nem quero relativizar a importância do debate sobre a forma como vemos as nossas identidades e construímos as nossas sociedades. Todavia, aquilo a que vamos assistindo é ao discurso do “contra”, à polarização, à narrativa de “uns” contra “os outros”, do “nós” versus “eles”. O espaço público já não é o palco do diálogo, da discussão, da negociação, do consenso necessário ou do dissenso ponderado. O que temos hoje é a agressividade verbal, a exploração dos medos e dos anseios das pessoas, a instrumentalização de classes profissionais ou de grupos sociais para propagandear agendas ideológicas.

Os líderes políticos são os primeiros responsáveis por alimentar ou combater esta circunstância que está a marcar as nossas sociedades. É por isso que a postura de Luís Montenegro e do Governo que lidera, sobretudo a propósito do Orçamento, merece um destaque especial. Sem que nada o obrigasse, o Primeiro-Ministro chamou todos – todos – os partidos para o diálogo. Mais: chamou o principal partido da oposição para uma negociação privilegiada, até à última hora. Ainda mais: abdicou ou mitigou compromissos eleitorais em prol de um consenso nacional para que todos os portugueses têm apelado (do Presidente da República ao cidadão comum que claramente não quer eleições, passando por todas as classes profissionais que começam a ver as suas situações resolvidas). Aquilo a que não pode ser obrigado é a capitular em todas as frentes com que disputou e venceu as eleições legislativas.

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Infelizmente, noutras latitudes da Assembleia da República, aquilo que encontramos é precisamente a polarização a que me referi em cima. Uma extrema-esquerda radical que rejeitava o Orçamento quando este ainda nem existia e uma extrema-direita oportunista que se tornou um “catavento” mediático e que tem um único critério para decidir o sentido de voto, o da oportunidade eleitoral, com mentiras à mistura, como se tornou habitual.

O que se espera do Secretário-Geral do Partido Socialista não é um bloco central (nem sequer aquele que ensaiou a propósito de um acordo plurianual para o IRC), nem sequer uma desistência da liderança da oposição. O que se espera é precisamente o oposto: que seja líder da oposição, mas com a responsabilidade de se afirmar como alternativa. Compreende-se que Pedro Nuno Santos queira agradar a uma base eleitoral que o levou à liderança do PS, mas a tentação do radicalismo não respeita a história do Partido Socialista, não respeita a tradição constitucional portuguesa, nem respeita o próprio lugar de líder da oposição.

Portugal já foi um exemplo de moderação política, mesmo quando os extremos emergiam noutras geografias. Não vale a pena perder tempo a explicar como deixámos de o ser. O que importa é olhar para a frente e saber que podemos voltar a fazer política como antes, com seriedade e compromisso. Assim os líderes políticos estejam à altura dos tempos, como está o Primeiro-Ministro de Portugal.