Com alguma experiência na área de recursos humanos, quando entrei para o setor da segurança privada rapidamente verifiquei que grande parte das empresas deste setor não estavam a cumprir com os vigilantes.

Desde então, comecei a dirigir-lhes o meu apoio através do fórum “Vigilantes e Seguranças de Portugal” a todos os que se encontravam em situações críticas ou com necessidade específicas. Procurei transmitir-lhes o conhecimento dos seus direitos, os métodos de atuação, leis que fundamentassem as suas contestações junto das empresas e, acima de tudo, denunciar sempre as más práticas dessas empresas às entidades fiscalizadoras. Foi uma luta difícil, de cerca de cinco anos, que me levou a mais de 11 processos em tribunal, daí que em 2018 me dirigissem um convite para presidir ao sindicato SSVP (Sindicato Seguranças e Vigilantes de Portugal).

Apesar das minhas funções, sempre mantive uma proximidade junto do vigilante que me permitisse uma análise crítica e problemática do setor. Grande parte das empresas são alavancadas por um elevado número de más praticas laborais, decorrentes da utilização do dumping social, prática bastante habitual na segurança privada como forma de obtenção de lucros. O setor assiste, há alguns anos, a uma desvalorização e deterioração da figura do vigilante,  quando este deveria ser o mais importante ativo nas empresas.

Existem no setor da segurança privada aproximadamente 38 mil vigilantes ativos e 69 empresas com alvará tipo “A” para o desempenho de segurança humana. Destas, mais de 90% não cumprem com a contratação coletiva de trabalho em vigor, nem com o código de trabalho. São empresas onde o vigilante não passa de uma mera e simples peça na engrenagem para fazer dinheiro.

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Assistimos a empresas que obrigam os seus vigilantes a cargas horárias de 192 horas por mês, contra uma média mensal anual de 173,33 horas, colocando essa carga horária excedente como uma condição obrigatória para recebimento do salário base de vigilante. São, desta forma, 18 horas mensais de trabalho gratuito que o vigilante é “obrigado” a ceder todos os meses à empresa. Mas existem outras situações como: o não pagamento dos 25% relativos à hora noturna, a ausência de pagamento dos feriados a 100%, a redução do número de subsídios de alimentação pagos por mês, o valor da hora extra paga unicamente a 3 euros, a existência de diversos recibos de vencimento não conformes, onde os valores de dedução dos impostos do vigilante não correspondem à realidade. Verificamos ainda muitas situações onde homens e mulheres trabalham 12 horas e 16 horas por dia contra a sua vontade, muitas vezes sem quaisquer folgas durante mais de 15 dias, chegando a ter observado situações de vigilantes sem folgas durante mais de 60 dias.

Existe por parte das empresas incumpridoras uma elevada fuga aos impostos com muitos pagamentos efetuados fora do recibo de vencimento e que implicam uma perda anual de largos milhões de euros em impostos.

Muitas das empresas que recorrem ao dumping social utilizam uma prática conhecida por “pagamento por pacote”, uma forma de liquidação do vencimento onde estão incluídos o vencimento base mensal, os proporcionais de Natal e férias, as horas noturnas, as horas extras, os feriados, o subsídio de alimentação… criando, desta forma, um valor único e fixo mensal.

Pois bem, estes vigilantes, caso façam as suas contas mensais de uma forma parcelar, verificam que estão a receber um valor mensal inferior àquele que lhes é devido, chegando muitas vezes a valores na ordem dos menos 200 euros por mês.

O vigilante é utilizado como uma mera peça nas empresas, servindo muitas vezes apenas para colmatar faltas e “buracos” existentes nas escalas de trabalho. Quando o vigilante contesta e reclama os seus direitos ou recusa trabalhar em períodos de folga é confrontado frequentemente com ameaças de despedimento, com falsas leis inventadas pelos supervisores como forma de o dissuadirem da recusa ao trabalho imposto.

Com as más práticas laborais a perdurarem há vários anos e sem que grande parte das queixas apresentadas às entidades fiscalizadoras levem a qualquer resultado prático, urge criar um sistema de fiscalização mais ativo e mais exigente na proteção do vigilante.  Mas, mais importante que isso, urge reestruturar o setor da segurança privada, alterar as práticas laborais, alterar as mentalidades e, acima de tudo, dignificar o estatuto daqueles que são o motor das empresas da segurança privada: os vigilantes.

Continuarei a contribuir para as melhorias no setor e para mudar os paradigmas de gestão na segurança privada, respeitando sempre o vigilante como seu principal ativo.