A propósito do adiamento de jogos da Liga Pro a 11 de Setembro (curiosamente mais um 11 de Setembro de tão má memória), algumas reflexões para esclarecer e contextualizar o que aconteceu:

1. Não é possível voltar à normalidade e fazer tudo como antes e querer controlar a pandemia. A saturação, a indiferença, a ignorância e o “imediatismo” são armas que se viram contra nós.

2. Momentos difíceis exigem de nós serenidade, responsabilidade e actuação de acordo com o melhor nível de conhecimento.

3. Os problemas no imediato resolvem-se com medidas a curto prazo inseridas numa estratégia a médio e longo prazo. Semear para colher.

4. A retoma das últimas 10 jornadas da época passada da Liga NOS (1.ª divisão) foi possível devido à criação de uma “bolha limpa” que assegurava a minimização de casos positivos nas equipas e que os contactos de alto risco desses casos (e.g., os outros jogadores) não iam para quarentena e mantinham a actividade desportiva.

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5. A “bolha limpa” tinha como pressuposto uma política de testagem “pesada”, regular e periódica. Inicialmente nas 24 horas antes dos jogos e sempre que o intervalo entre jornadas era superior a 5 dias. Esta política mantinha o compromisso dos clubes e jogadores minimizarem comportamentos de risco e a avaliação diária de febre e sinais/sintomas.

6. A perda da testagem regular põe em causa a criação da “bolha limpa” e o pressuposto crítico para a retoma: os outros jogadores, contactos do caso confirmado, não fazem quarentena porque são testados frequentemente.

7. A OT (Orientação Técnica) 036/2020 de Agosto (de cujo grupo de trabalho eu pedi escusa e me demiti por discordância) considera o futebol uma modalidade de médio risco com testes aleatórios nas 48 horas anteriores ao jogo. A OT é omissa em quem testar (e.g., jogadores convocados, suplentes, roupeiros, etc.), quantos testar e periodicidade do teste. Deixou esse critério para as Federações e não definiu medidas para avaliar a sua implementação e fiscalização. Se ninguém fiscaliza para quê cumprir?

De referir que a Liga Portugal e os clubes de futebol profissional decidiram, e bem, ultrapassar em muito as exigências de testagem recomendadas na OT 036/2020.

8. No ponto 27 da OT036/2020 diz-se: “Os praticantes e equipas técnicas da equipa na qual foi identificado um caso positivo são contactos de um caso confirmado. Contudo, a implementação das medidas de prevenção e controlo de infeção e, complementarmente, da realização de testes moleculares nos termos indicados nesta Orientação, minimiza o risco de contágio por SARS-CoV-2 entre os praticantes e equipas técnicas, pelo que a identificação de um caso positivo não torna, por si só, obrigatório o isolamento coletivo, das equipas.”

9. Ao perder-se a “bolha limpa”, ficou dependente da avaliação do risco (“interpretação”) das autoridades de saúde locais a atuação perante os contactos de alto risco. Como decidir manter o contacto a jogar se não se sabe quando é novamente testado? Ou no caso da Liga Pro se o contacto só é testado passados 14 dias, o que corresponde a todo o período de incubação da infeção.

10. Os jogadores da Liga NOS estão envolvidos em jogos internacionais (seleção e competições da UEFA) que exigem testes prévios e regulares. Não testar não é opção. Resolve o problema hoje mas condiciona toda a participação das equipas nas jornadas internacionais. O mesmo aplica-se a todos os escalões: vão jogando até aparecer um positivo e depois fecham a equipa. E não nos podemos esquecer do risco de cadeias de transmissão na comunidade com o agravamento epidemiológico e aparecimento de casos graves. E este é o objectivo maior das autoridades de saúde.

11. A OT 036/2020 veio ao encontro das necessidades políticas imediatas, privilegiou o interesse de curto-prazo às medidas de saúde pública de médio e longo prazo necessárias para controlar a pandemia (e a expectável 2º onda), transferiu competências da DGS, não definiu critérios coerentes e uniformes e não salvaguardou o interesse dos clubes de futebol profissional. Os clubes que deram o exemplo que permitiu a retoma das modalidades desportivas e que mais fizeram para melhorar os níveis de segurança e de responsabilidade.

12. Agora é altura de nos voltarmos a unir na procura da solução.

Coordenador do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos e Consultor da Liga Portugal