O aparecimento e aparente entusiasmo com a Iniciativa Liberal, juntamente com a consolidação do esvaziamento do CDS, está a levar muita gente deste último partido para o primeiro. E a questão que se coloca aqui é se é um movimento natural, próprio da regra simples da oferta e da procura, ou se há algo de muito errado nisto. A única conclusão possível é que é completamente incongruente alguém adormecer democrata-cristão e acordar liberal, pelo que só tem um nome: oportunismo político.

Podemos começar por olhar para as raízes do liberalismo, que vem do movimento iluminista, nomeadamente o inglês, o início do francês e com partes do alemão. Evidentemente, as ideias liberais são progressistas e aquilo que ficou conhecido como neo-liberalismo, apenas teve impacto na economia, por via da crise petrolífera de 70/80. Fico horrorizado quando vejo a Iniciativa Liberal a citar e vangloriar Thatcher ou Reagan: para lá da economia, a ideia primordial dos liberais do relativismo moral é contrária a esses grandes estadistas, hoje odiados pela cultura vigente por terem derrotado o Socialismo e colocado um fim à Guerra Fria. Se isto teve algum dedo liberal, como se parece querer insinuar, é absolutamente falso e anacrónico.

Temos que ser justos e afirmar que a Iniciativa Liberal veio trazer para o debate público algo que nenhum partido de direita havia feito em quase cinco décadas: as vantagens reais da diminuição do Estado e o combate ao socialismo através da falência ideológica e dos seus modelos económicos. Se queremos ser ainda mais justos, diríamos até que os louros deste feito serão de uma ou duas pessoas, mas isso é algo que a História se encarregará de escrever. Mas o certo é que vivemos num mundo com um preocupante nível de argumentação da generalidade das pessoas, fruto de uma crescente superficialidade e falta de profundidade intelectuais. A IL trouxe uma conversa concreta, numérica e factual, num paronama político onde o populismo e as promessas vazias viveram sem concorrência.

O grande problema é que, para lá da economia, os novos liberais portugueses enfrentam uma encruzilhada moral: nos costumes, têm muitas parecenças com a esquerda radical que tanto odeiam. As chamadas “causas fraturantes” que antigamente colocavam os partidos em pé de guerra, são hoje as “causas semelhantes”, que tornam homogéneos a IL, o BE, o LIVRE, a CDU e certas frações dos dois maiores partidos. E é aqui que esbarram (ou deveriam esbarrar) os novos adeptos liberais, fascinados com a discussão económica sem atenderem ao todo. Até que ponto vai a flexibilidade moral e cultural de um ser humano?

O CDS está mal há anos, raramente representou a democracia-cristã e nunca conseguiu envolver a sociedade numa discussão ideológica , nem apontar as falhas sistémicas dos partidos mais à esquerda. Freitas do Amaral foi ministro de Sócrates, Basílio Horta é autarca socialista, Lucas Pires foi para o PSD e Manuel Monteiro foi para o seu próprio partido. Na melhor fase centrista, organizavam-se jantares da ala da oposição. Por tudo isto, não me comove assistir ao desaparecimento do CDS e quem culpar o atual líder está a ser demasiado desonesto para entrar neste debate. Também por tudo isto, está na hora de fazer um “reset” e construir uma ideologia verdadeiramente democrata-cristã, sem a geriatria ou os jovens oportunistas do CDS. É fundamental fazer algo novo e colocar de lado o velho, resistindo a ventos liberais ou populistas, que são tudo aquilo que a verdadeira direita portuguesa não precisa.

Custa-me chamar ao IL de direita. A direita moderna tem carácter liberais, mas não deixa de ser social. O maior chavão liberal de hoje, a diminuição da carga fiscal, não é só necessária como imprescindível. Mas a implantação de outras medidas, se formos sérios, não trarão o mesmo impacto positivo que tiveram em países com realidades diferentes e em outros tempos. O liberalismo clássico, que a Iniciativa Liberal diz seguir, para diferenciar dos neoclássicos, teve uma função e um tempo determinados. Exatamente porque falhou é que o marxismo se insinuou posteriormente nos países desenvolvidos. Exatamente porque é contra os ideais cristãos é que um Papa escreveu uma encíclica sobre o problema do liberalismo. E como chamar de direita a um partido que é a favor da eutanásia, do aborto e endogenamente indiferente à pobreza ou à injustiça? Como se adormece democrata-cristão e se acorda liberal?

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