Enfermagem: profissão, disciplina, missão! Sim, pois não se trata apenas de um ofício que cuida dos que necessitam de um profissional qualificado e que, em muitos casos, é o único disponível. É também uma disciplina científica, com um corpo de conhecimentos próprio e reconhecido como estrutural no domínio da investigação em saúde. Mas é ainda uma missão estoica de vida. Afirmo tal categoricamente, pois, se não fosse esse cariz de missão que a esmagadora maioria dos enfermeiros agarra, perante diversidades e contrariedades constantes, a generalidade, além de emigrar para procurar sociedades que os respeitem e dignifiquem, certamente optariam, em algum momento do seu trajeto, por outros desafios profissionais. Mas não, os enfermeiros são resilientes, empoderados do sentido de responsabilidade que lhes permite enfrentar o Golias incompetente, irracional e imoral chamado Poder Político, que os tem desrespeitado reiteradamente devido a interesses instalados.

Os enfermeiros são a base estruturante do Serviço Nacional de Saúde, em termos quantitativos e qualitativos. Aliás, sem eles não haveria uma das grandes marcas do 25 de abril: liberdade para usufruir de cuidados de saúde, que tanto nos orgulham em alguns dos seus indicadores; 25 de abril que também significou mudanças de fundo numa profissão constituída maioritariamente por mulheres. Muito devemos a essas mulheres, enfermeiras, pelo que sempre fizeram e pela mudança que personalizaram, na sociedade e no sistema de saúde. Não nos podemos esquecer, ainda, dos enfermeiros que exercem em estruturas residenciais para pessoas idosas (vulgo lares de terceira idade), nos bombeiros, em estabelecimentos prisionais, em estruturas privadas de saúde, em missões humanitárias, no ensino de futuros enfermeiros, na investigação clínica e como profissionais liberais. Mais de 80.000 enfermeiros fazem parte desta matriz que unifica o tecido social que hoje temos em Portugal.

Os diversos governos e respetivas estruturas devem deixar o discurso oco e oportunista de que os “enfermeiros são muito importantes” e passar a respeitá-los de verdade! E o respeito não passa apenas por dar-lhes visibilidade no Dia Internacional do Enfermeiro, com mensagens de ocasião. Respeitá-los é conceder-lhes possibilidades para terem condições de vida dignas, ao nível dos seus colegas na União Europeia, é dar-lhes condições de trabalho adequadas, conforme defendem os organismos reguladores, é equipará-los aos restantes profissionais de saúde, algo que ainda é quimérico. Dou-vos um simples exemplo de como o nosso sistema está completamente desajustado, doente e amarrado a preconceitos e interesses instalados. Na consulta de Enfermagem de Estomaterapia, em que o utente necessita de um dispositivo para viver dignamente, como por exemplo, um saco de colostomia, o enfermeiro deveria ter a capacidade de o prescrever diretamente! Mas não… tem de encaminhar o utente para que outro profissional o faça, ainda que na maioria dos casos não conheça a situação clínica e, muitas vezes, nem o próprio material que vai prescrever!

É esta a realidade arcaica, matusalénica, em que o nosso sistema de saúde ainda vive. O poder da caneta ainda manda, com prejuízo de uma racional e habilitada atuação dos enfermeiros, assim como da eficiência de um sistema moderno e adequado às necessidades das pessoas. Afinal, não é o cidadão que está no centro, é a caneta…

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR