Como mentora (voluntária) de start-ups, posso dizer que já vi a minha quota-parte de fundadores valentes com ideias que mudam o mundo. Mas há algo de singularmente desafiante em trabalhar com start-ups da Economia Azul – aqueles projetos inovadores que visam aproveitar de forma sustentável o potencial dos nossos oceanos. Enquanto toda a gente fala do próximo grande unicórnio tecnológico, estes aquapreneurs estão a trabalhar discretamente para resolver alguns dos desafios mais prementes da humanidade, desde o consumo sustentável do peixe como alimento à biotecnologia marinha, passando pela criação de fontes de energia alternativas e pela descarbonização nas grandes cadeias logísticas. No entanto, estão quase sempre a nadar contra a corrente.
Nas últimas semanas, passei muito tempo a pensar sobre este tema, graças ao meu envolvimento como mentora no programa Blue Bio Value, uma iniciativa já bem conhecida da Fundação Oceano Azul em parceria com a Blue Bio Alliance, e na notável Ocean.AI Summit, organizada pelo Fórum Oceano. As ideias que aqui exprimo são o progresso dessa reflexão, numa versão longa – chamemos-lhe “Director’s cut” – da intervenção que fiz na referida conferência. Não pretendem ser verdades absolutas, são a minha opinião. Mesmo assim, tenho esperança de que sejam motivadoras e que possam iniciar uma conversa.
O primeiro problema atinge-nos como uma vaga inesperada: estes fundadores precisam de mais tempo, mas tempo é exatamente o que não têm. Ao contrário de uma típica empresa de software que pode evoluir rapidamente com novas linhas de código, as empresas da economia azul enfrentam muitas vezes longos ciclos de I&D. Experimente dizer a uma empresa de biotecnologia marinha que está a trabalhar em soluções alternativas à base de algas que deve “falhar rapidamente e pivotar” – só que os seus ciclos de investigação podem durar anos. É como pedir a uma baleia que se mova como um golfinho.
Veja-se o exemplo do Blue Bio Value. Este programa de aceleração foi pioneiro e tem tido um impacto real em dezenas de start-ups que vêm do mundo inteiro para conseguir progredir na sua viagem rumo ao sucesso. A abordagem do programa reconhece estes desafios únicos, tendo criado todo um ecossistema de apoio especializado que disponibilizam aos seus participantes, uma incrível variedade de novos negócios que trabalham com recursos marinhos, biológicos e não só. Mas, mesmo neste contexto, estamos a pedir a estes fundadores que realizem um exercício de equilíbrio delicado: manter o rigor científico enquanto nadam contra a corrente.
O quebra-cabeças do modelo de negócio é como outro recife a contornar. As métricas tradicionais das start-ups parecem muitas vezes uma tentativa de medir a profundidade do oceano com uma régua concebida para poças de água. Ao avaliar estes projetos, não podemos simplesmente aplicar as mesmas metodologias que utilizamos para as empresas SaaS. Uma start-up que esteja a desenvolver uma nova tecnologia de aquacultura poderá ter de provar o seu conceito em diferentes espécies, estações do ano e locais antes mesmo de pensar na viabilidade do mercado. O conceito tradicional de “produto mínimo viável” precisa de ser seriamente repensado quando o seu produto envolve ecossistemas marinhos complexos.
Há ainda o dilema do financiamento. Embora os investidores estejam cada vez mais recetivos ao investimento de impacto, para muitos a Economia Azul ainda parece ser a parte mais funda da piscina. A ironia? Estas start-ups têm muitas vezes potencial para retornos financeiros substanciais, além de um impacto ambiental significativo. Mas os seus ciclos de desenvolvimento mais longos e processos de validação complexos tornam-nas difíceis de vender num mundo obcecado pelo retorno rápido.
É aqui que iniciativas como o Blue Bio Value e Ocean.AI Summit brilham. De forma diferente, mas complementar, trabalham ativamente para criar redes de agentes económicos que compreendem o território, que estão confortáveis com os ritmos únicos das start-ups de biotecnologia azul, e que ajudam a fazer a ponte entre a inovação científica e a realidade do mercado.
Mas precisamos de mais do que apenas aceleradores e conferências especializados. Como formadores e mentores, precisamos de fazer evoluir as nossas ferramentas. Precisamos de desenvolver novas abordagens que tenham em conta os desafios únicos da Economia Azul. Talvez em vez de insistirmos numa iteração rápida, devêssemos defender uma “aceleração sustentável” – um ritmo que respeite tanto os imperativos comerciais como a integridade científica.
Sejamos realistas: estas start-ups não estão apenas a construir negócios; estão a ser pioneiras em novas indústrias. Quando orientamos uma equipa que trabalha em biomateriais marinhos ou em aquacultura sustentável, não estamos apenas a ajudá-los a aperfeiçoar o seu pitch. Estamos a contribuir para criar cadeias de valor totalmente novas, navegar em águas regulamentares desconhecidas e educar mercados que podem nem sequer existir ainda.
O mantra tradicional do empreendedorismo de “agir depressa e partir coisas” precisa de uma atualização séria quando se trabalha com recursos oceânicos. Talvez devesse ser “agir com ponderação e manter as coisas”. Isto não significa avançar lentamente – significa avançar estrategicamente, com o entendimento de que algumas inovações precisam de tempo para amadurecer, como uma pérola numa ostra.
À medida que enfrentamos desafios ambientais crescentes, a Economia Azul não é apenas uma oportunidade – é uma necessidade. As start-ups neste espaço estão a fazer o trabalho pesado de criar soluções sustentáveis para o futuro do nosso planeta. Como mentores, o nosso papel não é apenas guiá-los através do manual padrão da start-up, mas ajudar a escrever um novo manual que reconheça os seus desafios e potencial únicos.
Assim, apelo, da próxima vez que encontrar um fundador de uma startup da Economia Azul, lembre-se: eles não estão apenas a construir um negócio; estão a traçar um rumo para um futuro mais sustentável. E, embora o seu percurso possa ser mais longo e mais complexo do que o de uma start-up típica, são precisamente estes projetos que podem encontrar a chave para alguns dos desafios mais prementes do nosso planeta. Vamos ajudá-los a manterem-se à tona enquanto navegam nestas águas desconhecidas!
Afinal, na Economia Azul o sucesso não é apenas fazer ondas – é garantir a existência de águas limpas e saudáveis para as gerações vindouras.