Seis décadas transcorrem entre a primeira interpretação ao vivo de Mississipi Goddam pela pujante Nina Simone e a execução da pena de morte de Kenneth Smith em Alabama.  Mais do que uma canção de protesto, o tema transformou-se num ícone do Movimento dos Direitos Civis e da luta contra a discriminação racial na América dos anos 60, mantendo não apenas inalterada a sua actualidade, como ampliada a sua relevância, globalmente. Nina Simone estava de tal ciente ao referir em várias versões (de que a do concerto de tributo a Nat King Cole em 1985 é exemplo) não apenas Tennessee, mas “The all world is making me lose my rest”.

Na madrugada (hora portuguesa) de 26 de Janeiro de 2024, “Alabama got me so upset”. O foco no gáudio em torno da inovação do método utilizado para a execução de Keneth Smith é o requinte de malvadez que coroa o que a Amnistia Internacional reiteradamente defende ser (a pena de morte) o inequívoco desrespeito pelos Direitos Humanos, em consonância com o postulado pelo Alto-Comissariado para os Direitos Humanos da ONU. Considerada por organismos internacionais e associações de defesa dos direitos humanos uma prática de tortura (como o será a nível psicológico o “corredor da morte” – releia-se a propósito o clássico “Na casa da morte”, de Edgar Smith), o recurso a nitrogénio como método surge como alternativa à crescente dificuldade de acesso a fármacos indutores de morte, no que se assumiria no dito popular “quem não tem cão, caça com gato”, ou “o fim (no singular) justifica os meios”. Algo que deveria, em uníssono com Nina Simone, “make one’s lose the rest” e indignadamente perguntar “… Can’t you see it? Can’t you feel it?”

Portugal foi o primeiro país europeu a abolir a pena de morte nos crimes civis, em 1867, sendo tal identificado como Marca do Património Europeu em 2015, símbolo inequívoco da relevância histórica do evento, como o havia à data descrito Vitor Hugo: “Proclamar princípios é mais belo ainda que descobrir mundos”.

Num ano em que quase metade da população mundial vai a votos, grupo em que os portugueses se inscrevem para o Parlamento Europeu e por antecipação – pela assumpção de não cumprimento de condições mínimas para a continuidade de exercício das funções dos respectivos governos – das legislativas para a Assembleia da República e para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (à hora de redacção deste texto mantém-se a indefinição sobre o que ocorrerá na Madeira, antevendo-se porém cenário equivalente), num momento em que não podem ser desconsideradas as ameaças (globais) à democracia, plasmadas no relatório de 2023 do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral a proclamação de princípios e a tomada de decisão têm de incluir o que, não somente no plano da retórica, mas do potencial efectivo da sua operacionalização, aumente a probabilidade de serem cabalmente respeitados a dignidade básica dos cidadãos e os propagados direitos humanos (não apenas em Alabama, Tenessee ou  Mississipi, mas também em Martim Moniz, Kiev ou Gaza), para que cesse o temor de “I think every day’s gonna be my last”.

Porque os fins não podem justificar os meios, o exercício de cidadania deve pautar-se por “do your very best, stand up”. E se a propósito das Presidenciais dos Estados Unidos da América de 1980, numa continuada revisita à formulação original de Mississipi Goddam, Nina Simone cantou “Everybody knows about Reagan, Everybody knows about Carter, Everybody knows about the whole thing Goddam! Goddam! GODDAM!”, a adaptação pode agora ser feita com outros actores políticos. Basta escolher.

“That’s it!”

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