Pouca gente em Portugal conhecerá este nome: Angelica Kauffman No entanto, esta foi uma das artistas mais famosas do final do século XVIII, uma pintora retratista, reconhecida e admirada pelos seus pares e pelo grande público. Nascida na Suíça, fez carreira fora do seu país, tendo alcançado o seu maior sucesso e projeção em Roma e Londres.

Ao longo de 15 anos (de 1766 a 1781) Angelica Kauffman fez parte do establishment artístico londrino, exibiu regularmente na prestigiada Royal Academy of Arts e trabalhou para um impressionante grupo de aristocratas e patronos reais. Londres tinha então um mercado artístico lucrativo, muito actractivo para pintores “continentais”.

Ter feito da arte um modo de vida, vencendo as dificuldades que as suas congéneres enfrentavam, aguça o interesse em relação à sua obra. Mas por muito mais do que isso Angelica Kauffman merece ser conhecida.

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Descubro-a graças a uma exposição que a Royal Academy lhe dedica por estes dias, ao longo de quatro ou cinco salas onde se pode contemplar grande parte do seu legado.

Ali podemos apreciar a pintora dotada que foi, mestre na sua técnica, neoclássica nos temas e estilo. As suas bonitas e harmoniosas composições predominantemente a óleo, refletem uma abordagem original, um ângulo próprio dos episódios da história greco-romano que a artista revisita e pelos quais revela ter predileção, tanto quanto pelas composições inspiradas na mitologia greco-romana representando deuses e deusas. Mas se recorrem a uma linguagem sensível a qualquer mulher, se a sua impressão digital é inconfundivelmente feminina, não deixam de agradar  a uma vasta e diferenciada assistência que comigo visita a exposição.

O pai de Angelica foi fundamental para o êxito da filha, foi o seu primeiro protector e mecenas. Josepha Kauffman, medíocre pintor de retratos e frescos, que  muito viajava para a execução do seu trabalho, e levava a filha consigo, como uma espécie de assistente,  ensinou-lhe o que sabia. Investiu também na sua formação. Angelica recebeu aulas de pintura, música e língua, e aos 12 anos, idade em que fez o seu primeiro auto-retrato, já era conhecida como criança prodígio, fluente em quatro idiomas: alemão, francês, italiano e inglês.

O seu compromisso com a arte é indesmentível, numa das suas principais pinturas na qual se auto-representa, dramatiza a escolha que ela mesma teve de fazer entre dois caminhos artísticos que a tentavam e para os quais provavelmente tinha talento: a música e a pintura. Podemos assim concluir que a escolha da pintura não foi isenta de hesitações, arrojo, e bastante iniciativa que ela também provou ter nas muitas viagens que fez e tendo escolhido viver fora do país em que nasceu.

Kauffman seria recordada  pela habilidade enquanto retratista e pelas suas pinturas históricas, de paisagens e decorativas.

Lembrada também por ter sido membro fundador da Royal Academy of Arts (RAA) uma das duas únicas mulheres que a fundaram em Londres em 1768, sendo a outra, a pintora Mary Moser.

Descrita por um contemporâneo como “a mulher mais culta da Europa”, Angelica Kauffman nasceu em 1741 em Chur, na Suíça, tendo treinado e trabalhado em Itália antes de se mudar para Londres em 1766. Em 1782, já como artista consagrada e casada com o segundo marido, o pintor veneziano Antonio Zucchi (1726-1795) que se torna seu patrono, regressa a Itália e estabelece-se em Roma. Estar em Roma em 1782 é estar no centro do mundo, ao seu famoso estúdio acorrem visitantes de toda a Europa. E embora ela tenha ampliado a sua clientela internacional durante esse período, Kauffman continuou a receber muitas encomendas de clientes britânicos.

Tanto em Inglaterra como em Itália, Kauffman pintou as figuras mais influentes da sua época e revitalizou o género da pintura histórica com enfoque nas protagonistas femininas, atribuindo um papel à mulher na arte e num mundo dominado pelos homens. De notar que as pinturas históricas, eram um gênero do qual as mulheres estavam geralmente proscritas dado requerer o estudo de anatomia e de modelos vivos, proibição que Kauffman contornou estudando as esculturas clássicas.

Ao longo da carreira, ela pintou ainda um grande número de auto-retratos através do quais explorou a sua identidade enquanto artista e moldou a sua reputação.

Notáveis são também os retratos que fez de amigos, amigas e colegas artísticos, como Sir Joshua Reynolds (1723-1792). Uma das suas modelos foi a talentosa actriz Emma, ​​Lady Hamilton,  mais tarde amante de Lord Nelson, poderosamente retratada na qualidade de musa e criadora artística.

As suas telas que revisitam cenas da literatura, da história  e mitologia clássica, as chamadas pinturas históricas de Kauffman são ambiciosas. Frequentemente as suas modelos personificam uma das nove musas da mitologia clássica. E remetem para narrativas onde as personagens femininas adquirem protagonismo, assim acontece em Penélope junto ao tear (1764) ou em Cleópatra Adornando o Túmulo de Marco António (1770). Há uma tela que evoca um dos primeiros episódios da história britânica, Vortigerno, rei dos britânicos, apaixonado por Rowena, no banquete de Hengist, o general saxão, pai de Rowena que invade a Bretanha no século V. O auto-retrato de Kauffman na encruzilhada entre as artes da pintura e música (1741), figurando-se a si mesma apontando com um dedo no horizonte o retrato ou pintura histórica a que se dedicaria é uma das suas telas mais famosas que merece reflexão. Sendo uma representação da sua própria vida na mesma escala e com a mesma seriedade que ela aplica a um episódio da literatura ou da mitologia clássicas, a artista confirma o que dela já sabemos. Kauffman levou a sério aquilo a que se dedicou, viveu para a sua arte.

Aquando da sua morte em 1807 teve direito a um cortejo fúnebre organizado pelo admirado artista do classicismo Antonio Casanova, a Academia di San Luca (Associação de Artistas fundada em Roma em 1593) integrou a procissão e duas das suas mais importantes telas foram exibidas ladeando o seu caixão, à semelhança do que aconteceu no funeral de Raphael.  Teve postumamente direito a um retrato na nota de cem shillings que então circulava e à criação de um museu Angelica Kauffman na terra natal do seu pai em Schwarzenberg.