Morreu esta semana Anthony de Jasay (1925-2019), um dos mais brilhantes pensadores liberais clássicos da sua geração. Jasay nasceu na Hungria em 1925 e teve uma trajectória de vida simultaneamente complexa e fascinante. Depois de períodos na Áustria e na Austrália, acabaria por estudar com uma bolsa em Oxford (Nuffield College), aí tendo permanecido como investigador até 1962, com várias publicações em revistas científicas de Economia. Em 1962, Jasay mudou-se para Paris onde trabalhou na banca de investimento (primeiro por conta de outrem e depois estabelecendo o seu próprio negócio) até 1979, ano em que se retirou para a Normandia, onde passou as quatro décadas seguintes numa vida de recolhimento e dedicada em larga medida à reflexão e ao trabalho intelectual.
Com uma personalidade de trato nem sempre fácil e ideias heterodoxas e politicamente incorrectas, Jasay fez o seu percurso maioritariamente à margem do sistema académico vigente. Talvez por isso, e apesar de um gradual crescendo de interesse que creio tenderá a aumentar ao longo dos anos, os seus contributos não mereceram ainda a atenção devida.
As marcas principais da sua obra são o rigor conceptual e analítico, o cepticismo em relação à política e aos políticos e a acutilância e sentido de humor das suas observações. Ao interesse e formação inicial na teoria económica pura (que nunca abandonou), Jasay juntou um crescente interesse pela filosofia política, sendo que o seu pensamento reflecte esta combinação. O seu livro mais conhecido e influente foi The State mas toda a sua obra, em especial a mais tardia, é rica em ideias inovadoras e críticas desafiantes a muitas concepções estabelecidas (os ensaios reunidos em Justice and its Surroundings são um exemplo particularmente feliz desta realidade).
Pessoalmente, valorizo especialmente os seus contributos no domínio da teoria da escolha pública, área na qual Jasay frequentemente criticou de forma acutilante o que ele percepcionava como falta de rigor, inconsistência ou excessiva crença na possibilidade de restringir por via constitucional os abusos do poder político. Desenvolvendo esta linha de pensamento e o que de mais importante penso ter aprendido com ele, tive o privilégio de contribuir para o Symposium sobre Anthony de Jasay promovido pela revista The Independent Review (e organizado por Patrick Lynch) em 2015 com o artigo “No Salvation through Constitutions: Jasay versus Buchanan and Rawls“.
Como bem sintetizou Alberto Mingardi:
“Tony was a partisan of liberty and a political realist. His comments on real-world politics were crisp and most of the times politically incorrect. He had a marvellous, dry sense of humour, which he allowed to come to surface in his shorter pieces. A great mind of our times left us: one day, a greater number of people will remember Anthony de Jasay as such.”
A rara combinação de qualidades que Jasay reunia não será facilmente replicável e por isso a falta dos seus contributos no debate teórico e intelectual será especialmente sentida.
Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa