A ida de António Guterres às reuniões do G20 seria uma oportunidade de ouro para um Secretário-Geral das Nações Unidas que não tivesse as limitações de António Guterres. Um Secretário-Geral que compreendesse que o seu poder real reside na comunicação social global, mas através de ideias e de propostas concretas e não de lamentações.
Conheço António Guterres desde 1975 e sempre admirei a sua extraordinária inteligência e a sua enorme capacidade de memória e de comunicação, razões de ter conquistado os mais altos cargos políticos. Infelizmente, também conheço a sua indecisão e a sua falta de coragem política, que não poucas vezes se agravam quando combinadas e sei isso por experiência. Em Portugal durante os anos em que me convidou para ser o porta-voz da indústria do PS, depois como deputado de 1995 a 1999 e mais tarde, era ele já Secretário-Geral das Nações Unidas, quando tomei a liberdade de lhe escrever com três sugestões que enunciei serem arriscadas, mas onde também lhe disse: para que serve esse lugar no topo do mundo se não for para mudar o planeta. Aqui ficam, passados os anos, as três sugestões:
Primeira sugestão: que já lhe tinha sido feita em Portugal no XIII Congresso do PS, quando antecipei, no ano 1999, a tragédia das migrações com destino à Europa, com uma proposta a ser apresentada à Internacional Socialista. Sugestão que incluí depois em carta para Nova Iorque há cerca de quatro anos. Trata-se da criação de uma taxa de 1% sobre todas as transações comerciais nos países da OCDE e sobre as importações dos restantes países para, com esse dinheiro, financiar as Nações Unidas para tornar a organização independente dos estados e para promover apenas a saúde e a educação dos países mais pobres, nomeadamente de África, o que implicaria a participação organizada de profissionais da União Europeia e a formação de profissionais desses países.
Segunda sugestão: acabar de vez com os paraísos fiscais que anualmente roubam aos orçamentos dos estados os recursos necessários para combater a ignorância e a pobreza nos nossos próprios países. A solução seria teoricamente simples: dar durante um ano a possibilidade de, sem qualquer imposto, o dinheiro ser repatriado para os seus países de origem e, terminado o prazo, proceder à criação de novas moedas de forma a impedir a circulação das moedas antigas.
Terceira sugestão: decidir que a venda de armas entre os diversos países teria de ser licenciada pelas Nações Unidas, evitando a venda de armas a exércitos privados e a organizações criminosas, que provocam as guerras fratricidas que matam milhões de seres humanos e provocam a fome, nomeadamente em África. Naturalmente, com a intervenção dos soldados da paz que, com os recursos entretanto criados, teriam outras capacidades de intervenção.
Não sou tão inocente que acredite que as Nações Unidas levariam a cabo estas tarefas, nomeadamente com as regras existentes do Conselho de Segurança. A minha convicção é apenas de que alguém que exerce o cargo de Secretário-Geral das Nações Unidas tem o poder e a visibilidade pública para colocar estas propostas nas agendas da comunicação social global, que têm sempre um grande apetite pelo inesperado. Também porque todas as grandes mudanças políticas e sociais levam muitos anos a fazer o seu caminho, mas tem de haver sempre um início. Como escrevi na mesma carta a António Guterres, a história do combate contra a escravatura levou muitos anos a ter sucesso, mas houve quem tenha muito antes iniciado essa tarefa. Porque não tenho dúvida que estas propostas seriam facilmente apoiadas por todos os povos do mundo e o problema reside nos seus dirigentes. Por exemplo, alguém tem dúvidas de qual seria o resultado de referendos sobre estes três temas?
Desde sempre que acredito que os grandes problemas têm soluções simples e que são os dirigentes políticos e os interesses envolvidos que os tornam complexos. Ainda recentemente escrevi relativamente à guerra na Ucrânia, que António Guterres poderia propor na Assembleia Geral da ONU a criação de uma comissão para negociar a paz entre a Ucrânia e a Rússia, comissão coordenada pela China. Teria pelo menos o efeito de forçar a China a não dizer que a sua posição em relação à guerra é muita clara, como ainda agora aconteceu na véspera desta reunião do G20.
Chegar a Secretário-Geral das Nações Unidas, mesmo com o poder relativo do cargo, é uma oportunidade única, que não deve servir apenas para realizar o óbvio. É uma oportunidade, porventura louca, de mudar o mundo.
Nota: a preocupação principal de António Guterres, o clima, não se resolve com declarações mais ou menos patéticas, mas através do desenvolvimento dos países e da educação dos povos, o que originará a redução da população mundial e uma maior consciência ambiental.