Os piores cenários parecem, para já, afastados: oficialmente Portugal chegou à Páscoa com 16.585 pessoas infectadas e 504 mortos pelo Covid-19. Os números reais serão maiores: alguns epidemiologistas e matemáticos especulam que talvez 1% da população portuguesa tenha ganho a imunidade (cerca de 100.000 pessoas) e, sabemos que em Março deste ano, para além das mortes oficiais pela infeção, morreram mais 800 pessoas do que aquilo que as séries cronológicas poderiam antever. Em qualquer caso é indiscutível o sucesso da política de confinamento: ao contrário dos dramas vividos noutros países que nos são próximos, o nosso SNS tem dado resposta ao surto viral, está longe de ter atingido o ponto de ruptura e estamos agora, do ponto de vista da Saúde Pública, muito melhor preparados para fazer face aos efeitos da pandemia nos próximos meses. Essencial também , ultrapassados que forem os tempos de emergência, é aprendermos a viver (e trabalhar) com o vírus. Ele vai estar por aí muitos meses, até termos uma vacina ou algum fármaco que evite a morte. Os grupos de risco estão identificados. Cumprindo regras de distanciamento social, precisamos de abrir o comércio e voltar – todos os que não fazem parte dos grupos de risco – ao trabalho presencial de forma controlada.

Aqui escrevi no artigo de 23 de Março ( “ Uma recessão superior a 10%” ) que esta pandemia do Covid-19 atirará Portugal e o Mundo para uma crise económica sem precedentes e que a retoma, enquanto estivermos afectados pelo medo social, será lenta. Decretado o estado de emergência e o isolamento social, exigiam-se medidas radicais de apoio às empresas para salvaguardar o tecido empresarial, defender o emprego e evitar o caos social.

O governo soube ouvir alguns dos reparos e críticas e apresentou melhorias substanciais nos programas de apoio às empresas, nomeadamente no acesso ao layoff simplificado, que foi muito agilizado. Ainda assim creio ser injusto que a fasquia da quebra da faturação continue situada num nível de 40%, discriminando empresas, às vezes num mesmo sector, com quebras significativas mas inferiores ao tecto definido e, que só podem recorrer ao sistema de layoff tradicional, mais burocrático e com uma penalização objetiva ao nível das contribuições para a segurança social. Há empresas, imagine-se, a desejar quebrar 40% para terem acesso ao layoff simplificado! Um contrassenso, parece-me. Como já aqui defendi, melhor teria sido o governo abdicar da TSU de todas as empresas no curto prazo e enquanto durasse este período de maior imobilização.

Também um sistema de apoio mais agressivo deveria ser estabelecido para o comércio cujo fecho foi decretado. Esse comércio não pode, nem agora nem no futuro, pagar as rendas dos seus espaços nos meses em que , por boas razões, foi proibido de operar. As rendas do comércio pagam-se com a sua facturação. Estando o seu fecho decretado, como pode o comércio pagar? Com vendas futuras não será, porque a recuperação vai ser lenta… A moratória anunciada não chega. Há quem proponha um modelo de layoff locatário para o comércio, como sugerido por exemplo por José Miguel Pinto dos Santos e André Alvim, aqui no Observador. Faria sentido pensar nisso.

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Quase todos os políticos e comentadores assumiram a necessidade de se proteger as micro, pequenas e, às vezes, as médias empresas. Eu também. No imediato, são as mais ameaçadas em termos de liquidez e compreende-se a prioridade. As medidas em execução, ainda que insuficientes, vão nesse sentido.

É tempo, no entanto – ainda que seja considerado politicamente incorreto -, de falar das grandes empresas. Em Portugal são 875 com mais de 50 milhões de euros de faturação, 0,01% do total. Representam ainda assim 33% do PIB, 23% do emprego, 55% do IRC coletado. Há em Portugal uma cultura de esquerda, talvez fundamentada nos oligopólios do Estado Novo ( que, aliás, com a revolução e as nacionalizações se transformaram em monopólios…) que desconsidera, e às vezes persegue, as grandes empresas. Hoje em dia, aliás, a maioria das grandes empresas trabalha em sectores altamente concorrenciais. As melhores pagam 31,5% dos seus lucros de IRC, uma das taxas mais altas na União Europeia devido a uma derrama preconceituosa introduzida pela geringonça. São fundamentais à economia nacional e o seu sucesso tem um efeito multiplicador nas pequenas e médias empresas. No insucesso, porém, são como um dominó: a falência de uma grande empresa tem um forte efeito no tecido empresarial. A maior parte das pequenas e micro empresas, têm como cliente uma grande empresa. Porquê, então, a limitada preocupação dos políticos com a sua sustentabilidade no meio desta crise, que pode ser devastadora para tantas delas?

É certo que, com as medidas atuais, as grandes empresas podem aceder ao layoff simplificado, o que representa uma ajuda significativa no pagamento dos custos com pessoal. Mas estas têm uma estrutura de custos que vai muito para além disso: por regra, só 20% a 50% da sua estrutura de custos são custos de pessoal. Como o governo não quis assegurar apoio direto ao nível dos outros custos, resta às grandes empresas (as que podem, porque muitas já estão fortemente endividadas), recorrer ao crédito bancário. Ora toda a estrutura de crédito montada nesta crise foi desenhada esquecendo as grandes empresas. As garantias de Estado ao crédito têm tectos definidos por empresa, sem considerar verdadeiramente a dimensão dos ativos que as maiores têm de servir. Na atualidade o tecto é 2M€ para as grandes empresas. Não é possível pretender que uma grande empresa, com estruturas de custos fixos mais pesados, financie este período de imobilização e enorme recessão de consumo com créditos com garantia de Estado que representam somente entre 4% a 0,1% das suas vendas… As grandes empresas em Espanha, por exemplo, beneficiam de apoios bem mais generosos. Portugal não pode ser excepção: aproveitando a ampliação já anunciada das linhas com garantias de Estado de 3MM para 13MM€, esta situação deveria ser alterada com urgência. Em breve, vamos querer relançar a economia. Para essa retoma vamos precisar da vitalidade das pequenas empresas e da capacidade de investimento e da força das grandes empresas. O preconceito contra estas últimas não ajuda.