1 Uma ideologia é um sistema de pensamento normativo, regulamentar, fechado que propõe uma forma de conceber e explicar o mundo (uma “visão de mundo”), prescrevendo às pessoas o que devem pensar, o que devem valorizar e sentir, o que devem ou não fazer. No fundo, apresentam aos seus membros um “projecto de sociedade” (não seria mais prudente tentar, humildemente, aperfeiçoar a que já existe?). O discurso ideológico está repleto de alegadas virtudes e esperanças, mas foca-se, estrategicamente, em determinados aspectos da realidade (recortes), precisamente aqueles que mais interessa aos seus fundadores. Cada ideologia tem assim a sua fórmula, a sua receita e estratégia. Constituem, por isso mesmo, um verdadeiro “canal de desinformação” pois, como referido anteriormente, são formulações incompletas e parciais da realidade; são caricaturas dessa mesma realidade. O pior não estará tanto na sua existência, pois essa é um facto incontornável da vida social; o verdadeiro mal surge quando populações, comunidades, gerações se deixam infectar e cegar pelos seus valores, normas e conceitos. O próprio Karl Marx dizia que uma ideologia é um “vestido de ideias” que encobre interesses ou desejos.
2 As expressões ideológicas mais contundentes da actualidade são a Ideologia de género (IG) e o Relativismo (R).
A IG defende basicamente que nascer homem ou mulher não é um dado biológico, mas sim um dado social e cultural. À IG está associado um conceito denominado “autopercepção” (juízo que a pessoa faz de si própria), a partir do qual é possível dizer-se: “eu vou libertar-me desta sociedade opressora que que me obrigou a ser, a viver e a vestir como homem”. Já que este mesmo indivíduo se auto percepciona, afinal, como mulher. Ou porque não como um gato ou como um cão? (Já existe na Europa; denomina-se Transespécie). Naturalmente que pessoas que passam por estas experiências têm de ser respeitadas e, caso o pretendam, ajudadas, mas, ao deixar de se submeter a sexualidade humana à sua dimensão natural e ao passar a mesma a estar sujeita ao livre arbítrio da sociedade e da cultura, então tudo passa a ser possível, normal, plausível, admissível, legítimo, aceitável.
O R pretende desconstruir as noções de Verdade, Bem e Beleza, consideradas na civilização cristã os atributos e qualidades essenciais do Ser Humano. O R considera que as referidas noções de Verdade, Bem e Beleza não têm, em si mesmo, uma validade absoluta ou intrínseca, tendo apenas um valor subjetivo, e variável de pessoa para pessoa, de cultura para cultura, de religião para religião. Bento XVI abordou profeticamente esta questão referindo que o relativismo que caracterizava a nossa cultura passaria, em poucos anos, para a “Ditadura do Relativismo”, a partir da qual se impôs como pensamento único das novas ideologias.
3 A Ideologia de género e o Relativismo são, de acordo com estudiosos da matéria, metástases das ideologias do passado, nomeadamente do nazismo, fascismo e comunismo (e respectivas versões mais ou menos light...). Ainda que recorram a instrumentos diferentes, a truques e retóricas mais atractivas e açucaradas, elas acabam, partindo (como sempre) de premissas falsas, por regressar à demente, velha e cansada formulação: “como a vida acaba no cemitério (premissa), só nos resta então a instalação do “Paraíso na Terra”. De acordo com o prof Jorge Scala, jurista especializado em direitos humanos, estas novas ideologias são de natureza totalitária; elas pretendem abarcar todos os aspectos da vida pessoal e social; elas querem impôr uma nova antropologia, um novo ser humano. Ainda que estejam construídas em cima de pressupostos errados não deixam de, segundo o referido autor, ser primores de argumentação lógica; e daí, também, a sua fácil penetração e eficácia.
4 A difusão das ideologias baseia-se em várias formas de propaganda e manipulação, sendo que a “Manipulação da Linguagem” (e, portanto, do Pensamento) é uma das estratégias mais eficazes. A “Manipulação da Linguagem” e da Imagem é então uma estratégia fundamental na difusão das ideologias. Por exemplo, em alguns documentos oficiais tem-se vindo, em nome de um alegado igualitarismo e maior democraticidade, a substituir os termos “pai” e “mãe” por “progenitor 1” e “progenitor 2”. A intenção é esvaziar gradualmente toda a força semântica das palavras “pai” e “mãe”, e fragilizar, relativizar, enfraquecer, fragmentar as relações familiares, bem como o peso e o papel da instituição familiar nas sociedades humanas para, a prazo, serem esquecidas e não mais mencionadas. Os ideólogos são manipuladores natos; eles precisam de vencer sem convencer e, para isso, também no âmbito da ML, recorrem frequentemente à denominada “palavra talismã”, isto é, palavras que legitimam, de forma imediata, todos os outros termos que ao mesmo estão associados; por exemplo, a palavra “liberdade”: os defensores do aborto definem-se prontamente como defensores da “liberdade de escolha”; ora, quem será contra a liberdade de escolha? Ninguém! A Ideologia de género é igualmente especialista na utilização deste tipo de “palavras talismã: opção (sexual), igualdade (sexual e de género), direitos (sexuais e reprodutivos), saúde (sexual e reprodutiva), etc. São casos de clara manipulação de linguagem. Também o recurso à “Lavagem cerebral” (com a utilização massificada dos media, das televisões, das artes, da escola, da universidade) ou ainda ao uso de “esquemas mentais” baseados em dualismos, construídos de forma artificial, são recursos eficazes e muito utilizados pelos ideólogos com o objectivo de dividir a sociedade em polos opostos, antagónicos, em permanente disputa. Tome-se como exemplos: “o bom e o mau”, “o opressor e o oprimido”, “o branco e o negro”, “o rico e o pobre”, “o sexista e o não sexista”, “o homossexual e o heterossexual”, “o discriminador e o não discriminador”, etc. Para o inconsciente coletivo das massas, num dos lados está o bem, noutro o mal, o certo e o errado, o bom e o mau, criando um clima de permanente polarização, radicalização e conflito social. Através da manipulação da linguagem vamos nos tornando seres automatizados, sem identidade própria, apenas uma identificação utilitária numa sociedade cada vez mais administrada, fechada, tendencialmente totalitária.
5 As ideologias estão a devorar-te. Elas isolam-te, tornam-te mais débil e mais fácil de manipular. Os tiranos do passado eram mais truculentos; utilizavam a espada e o bastão para domesticar as massas. Os tiranos do presente são mais sofisticados; eles não batem mas envolvem-te com o Politicamente Correcto e a Linguagem Neutra (ou outras ferramentas referidas anteriormente) e tornam-te mais brando e mais facilmente moldável, manipulável, dando uma falsa aparência de liberdade (liberdade para te drogares, para mudares de sexo, para fazeres aborto e eutanásia, para abandonares a tua mulher ou o teu marido, para romperes com todo o tipo de vínculos, para “cortares” com a tua família, com a tua comunidade, com a tua história, com o teu passado e o teu legado. Sim, agora és livre! E agora, como és livre, alegra-te; tens até o direito a suicidar-te! As ideologias estão a destruir-nos; elas incutem nas pessoas, nas comunidades, nas populações ideias tão fantasiosas quanto autodestrutivas e estão a fazer desaparecer o contacto com a realidade, com o sentido das coisas e o sentido do bem comum. As ideologias matam o próprio sentido da vida.
6 Vivemos numa sociedade polarizada, fanatizada. Diz o filósofo que as ideologias são sucedâneas da chamada filosofia idealista. A filosofia idealista defende que a realidade não existe, sendo a mesma modelada, configurada e fabricada dentro da nossa mente. Ou seja, somos nós, mais precisamente a nossa mente, que dá realidade às coisas. O velho Descartes não estava num dia particularmente feliz quando disse: “Penso, logo existo”. Ou seja, Descartes faz depender a sua existência do seu pensamento; mas isto, mesmo para o homem médio é algo a desconfiar, pois a existência de uma pessoa é um facto, quer ela pense ou não. Então, as coisas só existem se eu pensar nelas? Então, é o meu pensamento que dá vida às coisas? Finalmente, será que é a nossa cabeça que dá forma à realidade? Será que o velho Descartes ocultava a realidade? Parece-me bem que sim! E qual o problema de tudo isto? Até meados do século passado as pessoas percebiam a realidade como algo que estava fora delas. Hoje, para o Homem contemporâneo, a realidade está dentro da sua cabeça, isto é, a realidade é aquilo que ele próprio representa dela. Hoje, as pessoas interessam-se mais pela representação que fazem da sua própria realidade.
7 Chegámos a situações extremas: hoje, um homem de barba “rija”, de bíceps e peitorais bem desenvolvidos dirige-se ao balcão do registo civil e diz que é uma mulher. E o registo civil tem de aceitar. E nós também. Podemos até admitir (e devemos) que o homem terá o direito de se sentir mulher, terá o direito de ser respeitado e viver como mulher, com nome de mulher. Mas a pretensão das ideologias, em nome de tais direitos, destruírem a nossa percepção, obrigando cada pessoa a ver, não o que a sua própria percepção lhe diz, mas o que tais ideologias querem que veja, é uma violência inaceitável e um exemplo evidente do espírito totalitário que as caracteriza, que caracteriza o tempo em que vivemos. As ideologias modernas, à semelhança dos totalitarismos do séc. XX, produzem efeitos devastadores (e porventura irreparáveis), particularmente na percepção das crianças e adolescentes do futuro (a percepção do senso moral; o bem e o mal, o certo e o errado, o belo e o feio, a verdade e o falso). Ora, porque é que o direito daquele homem poder sentir-se mulher se há de sobrepor ao direito à minha percepção natural? Porque é que o direito à sua imaginação se pode sobrepor ao direito natural da minha visão? Porque é que aquele homem tem o direito (e bem) de se poder sentir e de poder agir como mulher e o direito à minha percepção natural, em nome de tais direitos, é cancelado e, a partir de agora, é obrigatório a ver e sentir o que nos dizem para ver e sentir? Com que legitimidade querem as ideologias (e o Estado) obrigar as pessoas a alinhar com estes novos paradigmas totalmente absurdos? Como é que existem tantos “idiotas úteis” que continuam a achar que tudo é uma questão de direitos das minorias e não percebem que tudo não passa, afinal, de uma violenta e grosseira violação dos direitos humanos sobre todos aqueles que recusam estes novos modelos e padrões de comportamento. E é precisamente isto a ideologia. São precisamente estas ideologias que nos estão a destruir, a fanatizar e a polarizar. Impedem um julgamento lúcido e clarividente da realidade.
8 “As ideologias modernas são gaiolas” para manter as pessoas em cativeiro, num espaço limitado, controlado e vigiado; elas formatam a mente das pessoas e não respondem aos seus anseios e inquietações; perdeu-se o cimento do bem comum, o Centro deixou de estar no centro. Para que tudo isto seja viável é preciso massa em vez de povo, é preciso indivíduo isolado em vez de família forte e coesa, é preciso cidadania em vez de comunhão, é preciso uma miscelânea sincrética em vez de identidade e autenticidade, é preciso fusão e dissolução em vez de união e fidelidade. Para que tudo isto seja exequível é preciso um ser humano desenraizado, desvinculado de tudo, dependente, fragilizado, sem referências, sem identidade, sem qualquer tipo de hierarquia (hierarquia de valores, de princípios, de preferências, de prioridades, de convicções, de certezas, de juízo e consciência) para, finalmente, poder ser mais facilmente controlado e manipulado. Juan Manuel de Prada, grande escritor e pensador espanhol, faz uma análise contundente e certeira da situação do Homem contemporâneo: “o Homem começa pelo desenraizamento espiritual, pois sem Deus, onde está o fundamento, a razão de ser, a origem e o destino do Homem? Segue-se o desenraizamento existencial, pois uma vida sem origem nem destino entra num angustiante crise de sentido; segue-se o desenraizamento intelectual, pois a carência metafísica alimenta-se de idealismos e utopias; segue-se o desenraizamento moral, confundindo-se a vontade com os impulsos vitais; finalmente, segue-se, como corolário de todo este processo, um desenraizamento de vínculos humanos e familiares que nos levam a um isolamento orgulhoso e individualista e que nos condena a recorrer ao poder político como a única forma de salvação do caos”.
9 Há dois aspectos de enorme relevância que potenciam os efeitos anteriormente referidos; a Tecnologia e a Pornografia. A tecnologia é, ela própria, uma ideologia; e bem poderosa! A tecnologia invadiu a nossa vida, acelerou-a, e ao mesmo tempo mantém-nos absortos, alienados perante a mesma. A tecnologia faz com que a nossa vida seja muito rápida (frequentemente um inferno) para que não pensemos nada, para que não saboreemos nada, para que não desfrutemos nada; no limite, para que não soframos com nada, para que não vivamos, para que a nossa vida seja uma vida fictícia, frequentemente fingida e simulada. A tecnologia, ainda que consideremos os seus inúmeros efeitos benéficos, tende a fragmentar-nos, a angustiar-nos e a isolar-nos; a ela está associado todo o tipo de relações superficiais, fúteis, frívolas, banais; vivemos na era do Tinder, na era das Redes Sociais. As relações humanas vão ficando cada vez mais abaladas, desligadas, “líquidas”. As pessoas agora não se relacionam, conectam-se! A amizade e os relacionamentos amorosos são substituídos pela superficialidade das conexões que, a qualquer momento, podem ser feitas, desfeitas, refeitas, aumentadas, “amigadas”, “desamigadas”. É muito importante desenvolver relações profundas, relações duradouras, intensas; não em busca de uma intensidade como é hoje entendida, ou seja, no sentido de se viver abarcando muitas e espetaculares experiências, mas antes viver em profundidade.
Temos também a preocupante presença do incontornável drama da Pornografia. A pornografia é escravizante. A dimensão do problema está muito longe de ser percepcionada pela generalidade dos pais e encarregados de educação, pelos educadores, pelas escolas, pela igreja. Há mais visualizações de pornografia do que da Amazon, Netflix e Twiter juntos, sendo que a idade média do início do consumo da pornografia é de 11 anos. Perturbador. A pornografia é uma forma de euforia e alienação, de destruição da nossa vida afectiva. A pornografia é viciante e provoca alterações na nossa vida mental e espiritual, destrutivas da nossa vida afectiva, e da nossa capacidade de nos relacionarmos com os outros e com Deus (a neurologia confirma). O seu efeito é transversal a toda a sociedade e contribuirá, muito provavelmente, para a diminuição de qualidade das relações matrimoniais, para o decréscimo da natalidade e para o aumento de vários tipos de violência entre cônjuges.
10 Embora a juventude seja uma mera “construção social” (é um termo estatístico, social e indefinido), ela não deixa de ser um período da vida onde nos julgamos capazes de fazer qualquer coisa, capazes de ter um juízo crítico (e esclarecido) sobre a realidade, capazes de mudar e transformar o mundo. A tentação de exaltação e endeusamento deste período da vida é, então, muito forte. Mas tudo isto está exacerbado, aumentado, politizado, falsificado. Nós nunca transformamos o mundo. Temos de incutir nos nossos jovens a humildade para perceber e aceitar que somos todos “elos de uma corrente”, de um grupo, de uma comunidade, de uma geração, de uma família. As novas ideologias impingiram aos jovens a ideia de que revoltar-se contra a tradição, contra o passado, contra a história comum, contra os pais, contra os professores, contra as instituições, contra a autoridade e contra as hierarquias, é uma forma de afirmação pessoal, de obstinação e paixão.
Mas não, é precisamente o contrário; os jovens estão deste modo a render-se, quais escravos, aos paradigmas das novas ideologias, as quais nos querem transformar num rebanho submisso, conformado e subserviente. Querem-nos sem vínculos, sem referências, sem modelos e testemunhos do passado; querem-nos sem capacidade para criar, querem-nos sem arte e sem beleza e, finalmente, querem-nos sem o transcendente, sem Verdade, sem Deus. Vejamos as mensagens dos ideólogos, dos políticos e demagogos: “sê protagonista da mudança”, “sê agente da transformação”, “tu és capaz”, “tu vais fazer a diferença”, “tu vais ser”, “acredita em ti”. Tudo isto é, na sua essência, falso! A sabedoria antiga diz-nos que somos anões ao ombro de gigantes. Ou seja, nós conseguimos ver o horizonte um pouco mais longe porque subimos aos ombros de gigantes, ou seja, é graças a eles e à sua sabedoria que podemos ver um pouco mais além, que podemos saber um pouco mais. A sabedoria deste reconhecimento esteve sempre presente ao longo da história humana.