Zelar e tudo fazer pelo bem-estar dos animais é algo que para nós, humanos, dadas as nossas capacidades de inteligência e possibilidade de tomar opções racionais, é um dever.

Brindados que fomos, há pouco tempo, com uma peça televisiva acerca do bem-estar dos animais de que nos alimentamos, peca a mesma por vários motivos. Desde logo por não mostrar nem mencionar todas as envolventes do processo pelo qual nos chegam os alimentos que consumimos, tentando levar-nos para um mundo que não é aquele em que vivemos.

E começa logo mal, ao pretender ser uma peça ou uma reportagem jornalística, quando na verdade se trata de um claro exercício de activismo animalista, parcial, enviesado e demagógico.

Na realidade, para quem queira salvar a vida de animais, minimizar o sofrimento animal e proteger o meio ambiente, adoptar uma dieta vegan ou vegetariana pode ser a pior forma possível de o fazer.

Factos:

  • Para produzir a mesma quantidade de nutrientes e kcal, 25 vezes ou mais animais podem morrer se a fonte de alimento for vegetal em vez de animal;
  • Os danos ao meio ambiente são maiores;
  • Em termos de sofrimento, a produção desse alimento vegetal implica muito maior sofrimento do que se a origem do alimento vier de animais.

As pessoas não têm, simplesmente, noção do processo de produção de alimentos, seus requisitos e implicações, pensando muitas vezes que basta deitar umas sementes ao solo e algum tempo depois ir fazer a colheita.

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Pois, não é.

Não vamos entrar, sequer, na parte dos insectos e de outros invertebrados, que tantos englobam no que consideram “seres não sencientes” (apesar de vermos com facilidade que respondem e reagem ao que os rodeia) e que recentes estudos abrem a possibilidade de que boa parte deles o são na realidade (Barron and Klein, 2016, bem como Tye , 2017). Se o fizéssemos, passávamos a ter números astronómicos, uma vez que são mortos em quantidades incríveis sob pena de dizimarem as culturas.  Mas vamos pensar também nos outros animais que morrem para que tenhamos alimentos, quer na fase da produção, quer na armazenagem, quer na distribuição, até esses alimentos nos chegarem ao prato.

E esses animais são Lagomorfos (principalmente Coelhos), Artiodáctilos (em que se incluem os Cervídeos, Suídeos, Bovídeos), Aves, Répteis, Roedores (Ratos e outros).

Aves e Ratos então, a quantidade em que são mortos é algo de impressionante.

Um bando de aves pode destruir numa manhã ou numa tarde um campo de cereais ou de leguminosas. Assim como os ratos que, não só durante a produção e colheita, mas também durante o período de armazenagem, ou são limitados ou podem arruinar tudo o que seriam produtos destinados à nossa alimentação – quer por se alimentarem desses produtos, quer pela respectiva contaminação.

Se biliões destes seres não morressem pela acção da maquinaria agrícola nas mobilizações no terreno, dos tratamentos fitossanitários, das desinfestações e prevenção na armazenagem, quer por particulares quer para manter as normas do sistema HACCP, a quantidade de alimento disponível seria drasticamente reduzida, originando ainda mais défices nutricionais no mundo, muito mais fome e morte.

Num animal que cresce numa pastagem – a esmagadora origem da carne de ruminantes que comemos -, os únicos seres que vão ser objecto de controlo são alguns parasitas externos e internos.

E mesmo que não falemos nos animais criados em pastagem, mantendo os outros factores constantes, a produção de vegetais obriga a uma quantidade impressionante de mortes se comparada com a produção de carne para a mesma quantidade de alimento.

Saliento que quantificar o número de mortes por cultura, ou período, é algo difícil, pois para lá das operações agrícolas normais, temos muitas vezes surtos de pragas, o que implica intervenções mais agressivas para salvar as culturas ou os produtos armazenados. E sem contar com as mortes indirectas, pois nunca conseguimos saber, por exemplo, quantas crias não vão sobreviver com a morte da fêmea adulta que as estava a alimentar.

Por outro lado, diferentes climas e solos, diferentes quantidades de animais e de produções agrícolas, bem como diferentes resultados nas colheitas vão originar quantidades diferentes de animais mortos durante o processo. Os factos expostos permitem, no entanto, uma visão mais realista daquilo que acontece.

São os factos, é a realidade e, tal como disse no início, precisamos olhar para todo o processo, ao longo de vários anos, e não só o que nos é dado observar directamente ou em cada momento.

Arrumada a questão da quantidade de mortes de seres vivos no processo de produção de vegetais, vejamos algo mais:

  • A maior parte da produção de carne de ruminantes ocorre em pastagens;
  • Estes terrenos de pastagem constituem, por norma, ecossistemas em frágeis equilíbrios, em que a retirada dos animais vai gerar consequências graves para a terra;
  • Os animais, ao alimentarem-se, não destroem as plantas;
  • Ao mesmo tempo que vão pastando, providenciam, através dos seus dejectos, matéria orgânica e nutrientes que vão ajudar a manter as estruturas dos solos, a capacidade de retenção de água, a fertilidade, características que na sua ausência iriam comprometer estes solos;
  • De igual modo, ao retirarmos os animais do terreno, a vegetação espontânea passa a crescer descontroladamente, aumentando o risco de incêndio nalguns locais e desertificando outros.

E temos ainda um outro problema.

A área de terreno disponível para a produção de vegetais para consumo humano é muito limitada. Se grande parte dos terrenos do planeta são usados pelos animais como pastagem – fornecendo muita da carne que comemos – a maioria desses terrenos não tem capacidade para produzir algo que o ser humano possa consumir.

Contrariamente ao que muitas pessoas pensam, a produção de vegetais obriga a requisitos edafoclimáticos e a maioria dos terrenos do planeta não os tem nem no solo, nem no clima.

Uma alternativa, parcial, seria o abate de floresta. Mas os terrenos florestais não têm, normalmente, boa aptidão agrícola para produzir vegetais ou frutos comestíveis – para além de todos os outros problemas que esse abate de área florestal implicaria.

Nos terrenos de pastagem, contudo, os ruminantes conseguem transformar a cobertura vegetal em produtos de elevadíssimo poder nutricional e de fácil assimilação pelos humanos.

Para substituir a quantidade de alimento fornecida por estes animais seria necessária uma área superior a todos os países da Europa Comunitária juntos, para lá das outras condicionantes já referidas.

Dizer que bastaria cultivar nos terrenos ocupados pela produção de carne é demonstração de um desconhecimento atroz. É a própria FAO e respectivos cientistas que afirmam que 86% do que os animais comem não é adequado ao consumo dos humanos (Pierre Gerber, Anne Mottee et al).

A maior parte dos alimentos que os animais consomem, para lá dos provenientes da pastagem, são  subprodutos das indústrias agrícola e alimentar. E estes produtos, se não fossem utilizados para alimentar os animais, iriam constituir mais um sério problema ambiental para nos vermos livres deles.

O que íamos fazer aos bagaços de soja (algum cuidado, pois contrariamente ao apregoado, os animais só comem o subproduto da soja, o bagaço; se fosse para alimentar animais, a cultura poderia ser substituída por outras com facilidade e até vantagens e, para lá disso, a maior parte desse bagaço é consumida por monogástricos e não por ruminantes. Mas mas ia faltar o óleo que a soja nos fornece e de que a indústria, alimentar e não só, precisa. Há alternativas, mas parecem ser tabu), de amendoim,  aos caules, palhas, espigas dos cereais após extrair o grão, ao que sobra de polpa e casca dos milhões de toneladas de laranjas processadas para sumo, etc., etc.?

São milhões e milhões de toneladas de subprodutos ricos em celuloses e hemiceluloses aproveitadas pelos ruminantes, em que grande parte destes só são mesmo aproveitadas para consumo de ruminantes.

É que a celulose, por si só, representa 60% de toda a matéria orgânica existente na terra e só os ruminantes a conseguem digerir. Com uma eficiência de cerca de 66%, mas conseguem. Se não fossem os ruminantes, a celulose não seria aproveitada como alimento. E se tal não acontecesse seria mais um problema ambiental.

Vejamos agora a parte relativa ao sofrimento animal.

É verdade que um animal que nos vai servir de alimento vai morrer mas, de acordo com as normas empregues e adoptadas nos países civilizados, essa morte é rápida e indolor. Comparemos com a morte lenta por envenenamento, por esmagamento e por sufocamento, as mais usadas para manter sob controlo os animais que nos iam dizimar as culturas ou os alimentos que armazenamos e teremos uma ideia mais real do que, na verdade, implica a nossa alimentação.

Será possível comparar essa quantidade de animais mortos, com um animal que nos vai servir de alimento? Creio que não será possível fazer, sequer, essa comparação.

Como humanos, com responsabilidades acrescidas para com os nossos semelhantes e para com os outros que não têm voz, não podemos seguir linhas de pensamento baseadas em realidades desfasadas, visões deturpadas, ideologias, crenças, contribuindo, com isso, para aumentar aquilo que dizemos querer combater.

O modo de produção e de vida dos animais que nos chegam ao prato tem vindo a ser melhorado, mas claro que haverá sempre algo mais a fazer, e que se vai fazendo, nesse campo.

Se, na verdade, queremos salvar a vida de mais animais, se queremos evitar ao máximo o seu sofrimento, se queremos ajudar a manter um planeta mais saudável, o veganismo não é a solução, é, sim, uma parte do problema.

Posto isto, facilmente se constata que o slogan tão usado de “Go Vegan por eles” não é mais do que uma crença sem qualquer fundamento real.

Mas onde e como resolver este problema que temos, de como alimentar uma população mundial em crescimento e com mais exigências nutricionais?

Só temos este planeta. Como fazer para nele produzir mais, consumindo e desperdiçando menos?

Resposta simples: com a Ciência.