Pode-se ler nos Analectos: “Ji Kangzi, preocupado o banditismo1 [no estado de Lu, de que era soberano], pediu conselho a Confúcio. Confúcio respondeu: ‘Se vós não fosseis ganancioso2, mesmo que premiásseis [o roubo], ninguém roubaria.’”3 Esta passagem expressa a fé que Confúcio tinha na força do exemplo daqueles que estão em posições de autoridade. Fé que é partilhada por numerosos cientistas comportamentais4 contemporâneos: os governados imitam frequentemente, na sua área de ação, o que os governantes fazem na deles, tal como os filhos emulam os pais.

A mensagem que passa do chefe, e se entranha, não é o que ele diz, mas o que ele faz. Se o sr. ministro5 costuma mentir6, gradualmente os cidadãos começarão a dizer inverdades. E a não acreditar no que os outros lhes dizem. Se o sr. sec. de estado costuma roubar, aos poucos as pessoas começarão a não respeitar a propriedade7 alheia—menos ainda a pública. E a tomar medidas para melhor proteger o que é seu. Se o estado cobra impostos exorbitantes em troca de nada que funcione, sejam escolas, hospitais, tribunais ou forças armadas, é natural que o exemplo alastre e que algumas pessoas coletivas comecem a imitar-lhe o modelo de negócio.

Parece ser isto que está a acontecer, cada vez mais frequentemente, no nosso país. Quem usa eletricidade tem de pagar uma contribuição audiovisual mesmo que não tenha tv em casa, e de todos os operadores audiovisuais só um é que beneficia. Será justo alguém ser obrigado a pagar algo que não quer nem consome? Será que serem poucos os que estão nestas circunstâncias torna o espólio legítimo? E será justo que os outros produtores audiovisuais não recebam nada do que é cobrado por aquilo que produzem, obrigando-os a sustentar a sua operação através da caridade de anunciantes?

Mas o mais preocupante é que o mau exemplo do estado se está a alastrar do sector público empresarial (“SEE” para os ceguinhos) para as empresas privadas. Um exemplo recente de uma empresa usar de uma posição de mercado dominante para obrigar os seus clientes a comprar8 algo que lhes é inútil é-nos dado pela SIBS. A acreditar no Observador, parece que esta entidade monopolista se prepara para obrigar os seus clientes, que são todos os portugueses que não usam exclusivamente notas e moedas nos seus pagamentos & recebimentos, a ter um cartão de débito associado às suas contas bancarias se quiserem continuar a poder fazer pagamentos através do home-banking.

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Atendendo à crescente facilidade de efetuar pagamentos de forma digital, é cada vez maior o número de detentores de contas bancárias, sejam empresas, sejam indivíduos, que optam por não tocar, literalmente, no vil metal. Para estes um cash card é, portanto, uma inutilidade que livre e conscientemente optam por não ter. E para quê ter um cartão de débito? Nas lojas a que vão podem pagar com apps e com cartão de crédito, com as vantagens que lhes estão associadas. E o resto, seja algo tão inútil como impostos, ou tão essencial como encomendas de fast food, pode ser saldado através do home banking. A não ser que a SIBS leve a sua Avante.

Se a posse de um cartão de plástico não traz vantagem para todos os utentes, será que, ao menos, a imposição da sua emissão para todas as contas bancárias em que fazem pagamentos digitais tem alguma vantagem para o sistema de pagamentos, seja do ponto de vista da sua eficiência, equidade ou segurança? Ou será alguma inutilidade comunitária imposta por diretiva de Bruxelas? Parece que a resposta é não em ambos os casos. E será que a emissão de ainda mais cartões em PVC biodegradável ajudará a proteger o ambiente? Se não for por isto, então qual a razão desta medida?

Simples: se o estado nos tira dinheiro em troca de nada de útil, porque não há de a SIBS poder fazer o mesmo?9 O modelo de negócio é simples e lucrativo: basta ter poder bruto, neste caso, o poder conferido por uma posição monopolista e pela necessidade de o cliente usar a sua conta bancária para efetuar pagamentos, para exigir dinheiro por um pedaço de plástico que não serve para nada. A questão é: será justo? Não será roubo10 obrigar alguém a pagar por algo que não quer?

Que tal as bombas de gasolina coligarem-se e decidirem todas só vender combustível a quem lhes comprar, de cada vez que abastecerem, um boneco de plástico para pôr no retrovisor pelo preço de 20 euros? Quem não o quiser pode sempre deitá-lo fora, ou pô-lo numa gaveta. Mas será esta uma imposição legítima? Ou que tal os supermercados passarem a requerer aos seus clientes a compra de um saco de plástico por 20 euros de cada vez que forem às compras, mesmo que não o queiram usar porque não precisam, ou por motivos religiosos? Será que a ꓯutoridade da ɔoncorrência lhes permitiria fazerem uma coisa destas? Não? Mas se permite à SIBS fazê-lo hoje porque não há de lhes permitir fazê-lo amanhã?

Primeira observação: o abuso e a corrupção surgem sempre pequeninos, ridiculamente insignificantes, mas depois crescem e alastram-se, como qualquer argentino bem sabe. A questão é escolher o momento apropriado para dizer “basta!”11. Uma pista para encontrar a resposta apropriada para esta questão é considerar que a observação de Martin Niemöller, “primeiro eles vieram para…”, não se aplica apenas à defesa dos direitos humanos ou à atividade política, mas também é válida na vida económica.

Segunda observação: como pode a SIBS fazer uma coisa destas? Por duas razões. Primeiro, o seu sistema ético parece estar a se tornar cada vez mais semelhante ao do nosso estado: suga-se tudo o que se pode de onde se pode. A este fenómeno chama-se “mimetismo comportamental”. Segundo, porque o estado lhe dá poder para fazer isso ao (a) estabelecer um sistema de pagamentos eletrónico altamente centralizado no nosso país e ao (b) lhe dar a gestão desse sistema. Poucos países nu mundo terão um sistema de pagamentos eletrónico tão centralizado & de carater tão monopolista como o do nosso. Até numa ditadura socialista, como a China, existe alguma concorrência entre a Alipay, a WeChat Pay e os operadores bancários. Nenhum exige aos seus utilizadores a emissão de um cartão de plástico para poderem fazer pagamentos online.

Como se poderá resolver um problema destes? Confúcio sugere que só com a eliminação da ganância do estado se conseguirá suprimir a cupidez privada (os warxistas12, erroneamente, defendem o oposto). Se assim for, parece que o melhor será os portugueses elegerem, assim que possível, um Milei que ponha cobro, primeiro, ao sistema de espoliação operada pelo estado, e depois, que impeça a formação de monopólios e carteis privados que nos sugam como se fossem entidades públicas.

Us avtores não segvew as regras da graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein as du antygu. Escreuew covmv qverew & lhes apetece. #EncuantoNusDeixam

  1. Banditismo: uma modalidade de segurança pública em que a salvaguarda da integridade física do cidadão é assegurada contra um pagamento de uma taxa de valor variável, mas de carater altamente progressivo, como convém a um país a caminho do socialismo, a uma entidade privada—taxa que não é dedutível em sede de irs, mas está isenta de iva; um tipo de ppp.
  2. Ganância: intenso sentimento altruísta que nos leva a tentar aliviar um irmão nosso da materialidade do dinheiro e outras formas de riqueza que lhe empobrecem a vida.
  3. Analectos, 12.18.
  4. Comportamento: conduta pré-determinada por influências físicas, biológicas e sociais invencíveis, o que iliba o nosso sr. presidente da qualquer responsabilidade pelas suas declarações e ações institucionais.
  5. Ministro: funcionário encarregue de assegurar a ineficiência e descalabro numa área do governo; feitor de uma organização política numa quinta ou quintinha; malfeitor; especialista em tornar a vida complicada ao cidadão; agente do empobrecimento nacional; peça instrumental no enriquecimento de familiares & amigos; feitor de uma autoridade superior com responsabilidade inferior e nomeado pelas suas qualificações, a principal das quais é um grau plausível de inveracidade; título honorífico atribuído a membro de quadrilha quando esta sucede no seu assalto ao estado; peça no tabuleiro político, correspondente ao cavalo no xadrez, que pode avançar, recuar ou mover-se lateralmente, mas sempre em movimentos não retilíneos.
  6. Mentir: a atividade da mente; o seu produto denomina-se mentira13.
  7. Propriedade: aquilo cuja falta fomenta uma rapacidade passageira e cuja posse uma duradoura indiferença—indiferença que levou Warx a propor a sua abolição para não deixar esmorecer a sua rapacidade pessoal, nem a dos seus companheiros de luta; aquilo que gratifica num a sua paixão pela posse ao mesmo tempo que dececiona paixão semelhante em todos os outros.
  8. Comprar: vender algo, que numa economia moderna é usualmente dinheiro, por outra coisa ou serviço; sinónimo de vender.
  9. Esta observação é valida mesmo quando o banco não cobra nada pela emissão e manutenção do cartão. Se o cliente não paga alguém o fará. E lá porque o cliente não paga nada, o obrigá-lo a receber algo que ele não quer não deixa de ser também uma forma de abuso, como o testemunham os autocolantes “publicidade aqui não” por tudo o que são portas e caixas de correios na cidade de Lisboa.
  10. Roubo: uma das artes de aquisição de dinheiro. Embora haja moralistas que questionem a sua legitimidade ética, a antiguidade da profissão e a nobreza de alguns dos seus mais hábeis praticantes deveria ser prova suficiente da dignidade da atividade e da honradez dos profissionais do ramo. Na listagem de Sofocleto Lactantius (fl. séc. 3 a.C.) encontram-se incluídas as seguintes especialidades desta arte: assalto, arrombamento, burla, confisco, concessão danosa de crédito, corrupção, depredação, desfalque, desvio, esbulho, expropriação, extorsão & fiscalidade, fraude, furto & impostos, inflação, latrocínio & nacionalização, peculato, peita, pilhagem, rapina, suborno, taxas municipais & audiovisuais e tributação. Que esta última pertence legitimamente à categoria é-nos assegurado por François-Marie Arouet (1694—1778), um dos filósofos patronos dos nossos esquerdistas mal pensantes, venerado sob o nome de Voltaire. Relata-se que 1 dia, viajando com 1 grupo de amigos por uma floresta especialmente densa e tenebrosa, entraram n1a estalagem à beira do caminho. Para dissipar medos, à ceia combinaram contarem, 1 de cada vez, 1a história de salteadores. Quando chegou à sua vez Arouet começou: “Era uma vez um Diretor Geral das Contribuições e Impostos.” Tendo parado aqui os amigos instaram-no a prosseguir, ao que ele respondeu: “Esta é a história de salteadores que vos tinha para contar.”
  11. Basta!: aquilo que podemos dizer antes que outros digam “Chega!”.
  12. Warxista: aquele que faz guerra ao que é bom, belo e verdadeiro na Humanidade; pessoa que vê a realidade natural e social ao contrário, de pernas para o ar, tal como um M a fazer o pino; aquele que confunde as caraterísticas essenciais com as acidentais, e vice-versa. Os warxistas clássicos são militantes do pcp; os neo-warxistas estão filiados no ps/d, be, & iliberal.
  13. Mentira: deturpação intencional de predicados ontológicos, como sexo ou rendimento; um dos produtos mais úteis da atividade mental, especialmente quando se tem por objetivo maximizar poder, riqueza e prazer; dizer o contrário daquilo que se acredita ou pensa na atitude humilde de quem crê estar enganado; de acordo com o Budismo, tudo é ilusão, tudo é irrealidade, tudo é vacuidade, até o próprio Budismo, & dado que todos os fenómenos carecem de existência real, toda a perceção sensória é ilusória, e toda a conceptualização do sensório é mentira.