Agarrados a modelos pré-pandemia, os governos ainda não compreenderam que a digitalização das sociedades passa também pela transposição do modelo digital para o meio físico e, nesse sentido, um dos factores que melhor caracteriza este último é o always on, ou seja, a permanência ininterrupta da actividade. De qualquer actividade. E é assim que poderão vir a ser as cidades 24 horas.

Locais de forte concentração de pessoas são alvos preferenciais da pandemia e, nesse sentido, grandes cidades, onde as populações se aglomeram, serão, porventura, áreas onde o impacto das mudanças mais se fará sentir quando este flagelo terminar.

O intento da mitigação dos contágios tem levado governos de todo o mundo a impor o confinamento, ou seja, a comprimir as populações no espaço onde se podem movimentar e no tempo que podem estar fora da habitação. O confinamento reduz a área de mobilidade de cada um ao espaço de sua casa, da sua cidade, do seu concelho e concentra o tempo dessa mobilidade a determinadas horas do dia, à noite, aos fins de semana.

Espaço e tempo são variáveis que estão a alterar o nosso estilo de vida e que, a prazo, poderão mudar a vida das cidades. Mas não propriamente da forma como está a ser realizado.

Entrar à força da Era Digital

De um dia para o outro alterámos hábitos adquiridos ao longo de muitos anos, o café da manhã deixou de ser serviço ao balcão da pastelaria, as reuniões de trabalho passaram a começar a horas, o portátil deixou de passear na mochila e até passámos a ter saudades do intenso odor do perfume da recepcionista da portaria.

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Foi assim que entrámos à força na Era Digital. É verdade que a internet, as aplicações e os smartphones há muito que fazem parte do nosso dia a dia, mas foi a pandemia que pôs à prova a robustez das infraestruturas de comunicação e dos sistemas de informação das organizações. E sim, a sociedade digital provou estar à altura e passou a ser a norma na comunicação, no trabalho, no lazer, no comércio, nas relações pessoais, em suma, na nossa vida.

Subitamente, a casa passou a ser o centro do mundo, o lugar onde tudo acontece. Trabalho, lazer, convívio social e descanso, tudo concentrado num mesmo local.

Com a agravar da crise económica e o colapso das receitas do turismo as cidades procuram reinventar-se, ser mais sustentáveis, criar novos modelos, como a cidade 15 minutos, ao mesmo tempo que aumenta a pressão sobre as periferias e o apelo pelo espaço rural. Por isso, o espaço, isto é, a proximidade nuns casos, ou a distância noutros, ganhou novas perspectivas com a pandemia.

O conceito de tempo terá de inverter o modelo

Novos tempos implicam novas visões sobre a forma como as sociedades estão organizadas e o tempo é, porventura, um dos factores mais impactantes no nosso quotidiano.

Concentrar os horários de forma a diminuir a actividade económica, com especial incidência no comércio e na restauração, tem sido o modelo adoptado para limitar a mobilidade dos cidadãos no combate à propagação da pandemia.

Todavia, a limitação dos horários só tem levado ao agravar da crise económica e impelir o aumento de aglomerações à entrada de lojas e supermercados o que, por sua vez, cria ambientes propícios à disseminação do vírus provocando o efeito inverso ao desejado.

Por isso, é igualmente urgente repensar o tempo da cidade. É necessário olhar para os grandes centros habitacionais como locais multiatemporais. As novas cidades serão cidades 24 horas. Espaços onde o teletrabalho trouxe horários em diferentes fusos, a prática de actividade desportiva se estende pelas horas do dia, o lazer não tem horas e as necessidades de consumo podem ser permanentes. Hoje, as cidades, assim como as nossas casas, são lugares sem rotinas ou, pelo menos, com uma infinidade de novas e de diferentes rotinas.

As cidades 24 horas serão locais abertos no espaço mas também no tempo, sem horários comerciais, cidades abertas todas as horas do dia, sem fenómenos de concentração, proporcionando o acesso das populações a todos os serviços independentemente do factor tempo, transpondo para o espaço físico a realidade do que sucede no meio digital.

Assim, as novas cidades 24 horas terão de ser lugares permanentemente aptas a responder às necessidades dos seus habitantes e visitantes, cidades mais funcionais, mais eficientes e mais seguras. Cidades que se diferenciam não apenas pela diversidade da oferta, como até então sucedia, mas também pela disponibilidade dessa oferta, sem o condicionalismo do tempo.

Depois da pandemia ter provocado uma revolução na forma como vivemos e gerimos o quotidiano, está na altura das sociedades se adaptarem às mudanças que o fenómeno da convergência digital está a provocar nas nossas vidas.