As últimas semanas foram férteis em notícias sobre habitação. O Governo inundou-nos com anúncios, promessas e nomes sonantes: “chave na mão”, “1º direito”, “porta de entrada”, “porta ao lado”, “nova geração de políticas de habitação”… E juntou-lhe alguns números, o maior dos quais roça o embuste.

Dizem-nos que pretendem “aumentar o peso da habitação com apoio público de 2% para 5%” ou seja, um acréscimo de 170 mil casas.

As 120 mil casas sociais existentes integram todas as estatísticas nacionais e internacionais como sendo habitações de propriedade pública, geridas por entidades do Estado. As 170 mil casas agora prometidas, são algo bem distinto. Não são propriedade pública e basta que tenham um subsídio ou benefício fiscal para integrarem esta “inovadora” estatística governamental.

Como diz o ditado “misturam alhos com bugalhos”, fazendo com que “apoio público” se pareça com “propriedade pública”. Milagrosamente, com uns quantos subsídios ou benefícios fiscais, o governo produz 170 mil casas intituladas “com apoio público”, quando precisaria de uns 13 mil milhões de euros para as construir ou adquirir. Qualquer estatística internacional, da OCDE ao Eurostat, do CECODHAS à FEANTSA, recusaria semelhante malabarismo.

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Se houvesse seriedade nas medidas agora apresentadas, o governo não recorria a este expediente para inflacionar o número de casas que agora promete.

Mas não se ficaram por aqui. O governo também nos anuncia dois novos programas – “1º direito” e “porta de entrada”. Ora, estes programas não passam da cisão e redenominação dos programa “PER” e “Prohabita”, criados respetivamente em 1993 e 2004 e que visam, tal como estes, dar resposta às famílias que vivem em situação de grave carência habitacional.

Seria de esperar que surgissem algumas inovações, pelo menos no modelo de financiamento e que houvesse mais dinheiro para aliviar o esforço municipal. A reação dos municípios, cuja associação rejeitou por unanimidade mais responsabilidades sem aumento do financiamento, evidencia que nas questões essenciais, nada mudou em matéria de realojamento.

Em resumo, a grande novidade destes programas, é que… mudam de nome.

Há contudo uma grande inovação. Chama-se “chave na mão” e é tão original, que desconfiei do meu discernimento após o primeiro contacto com esta novidade. O seu funcionamento aparenta-se simples. Se tem uma casa numa cidade como por exemplo Lisboa ou Porto e quer mudar para o interior, entrega a casa a um organismo público e muda-se. Esse organismo público encarrega-se de cuidar e de arrendar a casa, obviamente a preços acessíveis e de assegurar um rendimento ao seu proprietário.

Sucede que o organismo público escolhido é o IHRU, a mesma entidade pública que o Sr. primeiro-ministro ainda recentemente considerava sem vocação para gerir o parque de habitação social do Estado, quando defendeu que este património devia ser transferido para os municípios. Num ápice, António Costa mudou de opinião e agora convida os portugueses a entregarem as suas casas à gestão do IHRU. Assim vão os caminhos da tão badalada descentralização…

Mas a generosidade que se pede a estes proprietários é tão irrealista que qualquer pessoa percebe que nada tem a ganhar com esta solução. Nem na segurança do negócio, nem no seu rendimento. Pretender que um organismo público, neste caso o IHRU, passe a desempenhar um papel de mediação imobiliária é outra das originalidades. O programa “chave na mão” criará expetativas e responsabilidades que deixará o IHRU e os incautos que a ele aderirem de “calças na mão”.

Há que reconhecer o esforço do governo com tantos anúncios e promessas. Fartaram-se de fazer barulho. Quanto aos resultados, o seu melhor retrato está na música de Vinicius de Moraes: “Era uma casa | muito engraçada | não tinha teto | não tinha nada | ninguém podia | entrar nela não | porque na casa | não tinha chão (…)”

Arquitecto, presidente do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana de 2012 a 2017