A pandemia obrigou a uma reconfiguração do processo de globalização, cujo modelo tinha vindo a sustentar o crescimento das principais economias mundiais. O mundo já não é a mesma “aldeia global” e as empresas, que através da internacionalização tinham acesos a diversos mercados, irão ter, certamente, mais dificuldades em subsistir e fazer crescer os seus negócios.

De facto, a pandemia provou ser um golpe rude para as empresas, principalmente para as que dependem do funcionamento normal das cadeias de fornecimento.

Os países membros da União Europeia, à imagem de outras economias desenvolvidas, injetaram quantidades abundantes de liquidez por via de linhas de financiamento, garantias estatais ou moratórias, de forma a protegerem as empresas do risco acrescido de insolvência.

A primeira reflexão importante, para a qual o mercado ainda não deu resposta, é sabermos se as empresas conseguirão recuperar as suas atividades, para níveis suficientes, de forma a garantirem o cumprimento do acréscimo de responsabilidades a que se sujeitaram no período que durou a pandemia. A agência de rating DBRS afirma que esse risco, com a conjuntura atual, aumentou cerca de 8%. Será que perante esta tempestade económica perfeita que tem vindo a criar-se, haverá um reforço dos mecanismos de reestruturação e revitalização do setor empresarial. Deverá o Estado manter políticas de concessão de apoios a empresas que tenham capacidade de se manterem solventes e gerir de forma diferente os apoios a todas as que tenham necessidade de se reestruturar ou, no limite, não facilitar a viabilização de todas aquelas que não tenham essa capacidade?

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As empresas incorporaram os efeitos da pandemia num contexto de sobre-endividamento, visto que o seu desempenho económico, desde a crise financeira global, tinha vindo a ser alavancado por crédito bancário com taxas de juros historicamente baixas. Segundo o Fundo Monetário Internacional no final de 2020 a dívida global das empresas representava 98% do produto interno mundial. Para os defensores dos mecanismos de mercado o problema não é o sistema, mas sim a sua vulnerabilidade, para a qual, na maioria das vezes os decisores políticos muito contribuem. Depois de se ter decidido alavancar as economias com quantidades elevadas de liquidez, teremos agora de lidar com a problemática da inflação, potenciada pelo conflito bélico entre a Rússia e a Ucrânia, com o abrandamento do crescimento económico mundial, com a persistência das disrupções nas cadeias de fornecimento, com a falta de matérias-primas e com o desequilibro da distribuição de recursos em todo mundo. A tempestade perfeita está já instalada. As empresas que se protejam e, antecipadamente, otimizem e adaptem os seus negócios. O mercado prova, mais uma vez, que funciona, sendo a sua evolução o resultado direto das políticas adotadas nos momentos anteriores. Talvez o que falte seja que, as decisões macroeconómicas sejam tomadas analisando o seu impacto a longo prazo e não apenas os benefícios até ao fim de um qualquer ciclo eleitoral. Isto porque no cenário atual de aumento de taxas de juros pelos bancos centrais como forma de combate à inflação, as empresas verão aumentados os seus custos com o serviço da dívida. E, nesse caso, os desafios para as empresas tornar-se-ão ainda maiores.

Os governos terão de enfrentar, novamente, os riscos da recuperação das economias. Será expectável que as preocupações nacional e europeia continuem firmes e se reforcem as linhas de apoio financeiro concedidas às empresas – não obstante várias economias europeias estarem já muito acima das metas de endividamento, como é o caso de Portugal.

O que os agentes económicos esperavam, era que estes apoios fossem pela via da redução da carga fiscal, mas a falta de robustez da nossa economia, certamente impedirá esse caminho, sendo provável que a ajuda estatal chegue através do reforço das linhas de financiamento, com eventual garantia pública. Estaremos, mais uma vez, a subverter o normal funcionamento do mercado?

Uma economia com uma autorregulação eficaz, no que diz respeito à solvência das empresas, não criará empresas mais resilientes, produtivas e competitivas? Promover a otimização interna das empresas, uma gestão de recursos mais eficiente e criar mecanismos para o autofinanciamento e libertação de cash-flowadicional não será o mecanismo mais eficaz? A concessão de crédito público fácil no curto prazo não desequilibra as estruturas de financiamento, comprometendo as empresas no médio e longo prazo?

As reestruturações deverão ser encaradas de forma preventiva, evitando a necessidade de apoios extraordinários. A subsidiarização excessiva por parte do Estado ou a facilitação no acesso a linhas de crédito com garantia pública por parte de empresas com níveis de risco de crédito elevado, desregula o mercado e adia, artificialmente, a mais previsível liquidação e encerramento das atividades. O foco deverá ser rentabilizar recursos e otimizar estruturas atempadamente.