Assumindo como sendo uma das intenções primordiais da reforma que está em curso no Serviço Nacional de Saúde (SNS) a aproximação da decisão à prestação de cuidados, assistimos à intenção de criar um número significativo de Unidades Locais de Saúde (ULS) que, num futuro próximo, se auspicia que poderão vir a acautelar resposta a 80% da população portuguesa.

As Unidades Locais de Saúde são pessoas colectivas, de direito público, de natureza empresarial, constituídas por tempo indeterminado, visando a prestação de cuidados de saúde. Têm um funcionamento assente num modelo no qual são integrados os Cuidados de Saúde Primários, os Cuidados Hospitalares e os Cuidados Continuados, ao invés do que acontece no modelo dito tradicional em que centros de saúde e hospitais funcionam com diferentes regras de funcionamento e diferentes lideranças.

O modelo de organização de prestação de cuidados inerente às Unidades Locais de Saúde está associado pois a um conceito de integração vertical dos cuidados de saúde. Esse conceito centra-se especialmente nas especificidades e características dos doentes, priorizando a promoção do bem-estar das populações, através, designadamente, da implementação de medidas de promoção da saúde e prevenção da doença, procurando assim induzir uma maior eficiência e satisfação aos utentes, já que é perseguido o uso efectivo de todos os recursos disponíveis em função das necessidades ora detectadas. Ao nível do financiamento verifica-se que as Unidades Locais de Saúde têm autonomia, autonomia essa associada à chamada capitação ajustada pelo risco, ou seja, o financiamento deste modelo é incrementado face ao aumento da população associada, bem como relativamente às necessidades ora detectadas nessa mesma população. Assim, a intenção primordial é que a prestação de cuidados seja planeada e convenientemente delineada em função das reais necessidades da população, contribuindo, em ultima instância, para o real suprimento das mesmas e para o bem-estar de todos e cada um.

As Unidades Locais de Saúde, dadas as suas características, podem vir a ser uma oportunidade imperdível para reforçar o desempenho do Sistema Nacional de Saúde (SNS), mas não só. Trata-se de um modelo que poderá vir a ser mais eficiente ainda no âmbito da saúde se for permeável também a uma conveniente, articulação com o sector social, com o objectivo de criar perfis assistenciais integrados, devidamente suportados por um sistema informático que possa permitir a necessária partilha de informação, contribuindo para o alinhamento e concertação de actuação que é ambicionada por parte de todos os intervenientes que actuam nessas áreas de intervenção e que se movem na esfera de um número muito significativo de doentes.

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Será certamente um enorme desafio no qual as autarquias irão desempenhar um importante papel, uma vez que para além de terem de incrementar o trabalho em rede, terão de se envolver arduamente no adequado desenvolvimento de políticas públicas de promoção da saúde e prevenção de doenças existentes nos seus territórios, sem nunca esquecer a prossecução de um objectivo primordial, o necessário e crescente envolvimento destas estruturas de saúde na comunidade municipal.

Mas se o modelo das Unidades Locais de Saúde pode efectivamente trazer mais valias para o SNS e para os doentes que a ele acorrem, porque haverá tanta relutância em implementá-lo estruturalmente no território nacional?

Se é inequívoco que as Unidades Locais de Saúde assentam num modelo administrativamente mais simples, sendo capazes de alavancar a criação de valor na vida das pessoas, o que impediu, impede e dificulta a sua célere proliferação no país?

Um dos motivos que poderá explicar essa delonga poderá assentar no facto de que a efectiva interligação dos cuidados primários com os cuidados hospitalares, preconizada pelas Unidades Locais de Saúde, pressupõe fazer uma aposta inequívoca na efectiva qualidade ao nível da gestão e planeamento de recursos. Assim, implicará, para que realmente funcione a contento, a existência de novas lideranças na área da saúde, que terão de ser circunstanciadas no mérito, em detrimento da sua escolha por compadrios políticos e afins, que geralmente desembocam em nomeações sem qualidade ao nível das características inerentes ao cargos que ocupam.

A implementação de Unidades Locais de Saúde estará pois, concomitantemente, adstrita à redução e consequente extinção de inúmeros cargos que permitem que um número significativo de pessoas exerçam funções em conselhos directivos das Administrações Regionais de Saúde (ARS), conselhos de administração dos hospitais/centros hospitalares e direcções executivas de agrupamentos de centro de saúde.

Assim, como facilmente se pode perceber, as mudanças que se julgam adequadas para suprir algumas das muitas vulnerabilidades do SNS requerem, antes de qualquer coisa, determinação e coragem para lutar contra os interesses instalados e só depois mestria para, encontrando os recursos adequados, catalisar os modelos mais vantajosos para proporcionar uma melhor resposta para quem realmente importa, que são as pessoas que necessitam de utilizar os vários serviços do SNS.