Durante a Segunda Guerra Mundial, as políticas de “higiene racial” impostas pelo Terceiro Reich levaram à construção e proliferação de “matadouros industriais humanos” por toda a Europa. Hoje, o campo de concentração e extermínio de Auschwitz é o símbolo máximo do Holocausto. Foi libertado a 27 de janeiro de 1945, pelo Exército Vermelho. Nele, judeus e ciganos serviram de cobaias para experiências médicas maléficas e mais de 1 milhão de seres humanos foram gaseados.
O complexo de Auschwitz, durante a sua existência, entre 1940 e 1945, albergava três campos: Auschwitz I, essencialmente um campo de concentração; Auschwitz II (Birkenau), simultaneamente campo de concentração e de extermínio; Auschwitz III (Monowitz), um campo de trabalho escravo onde foi instalada uma fábrica de borracha sintética, a I.G. Farben.
Lugar ignóbil e atroz, Auschwitz condenava os prisioneiros à fome, ao frio, às doenças e ao espancamento. Em 1943, e sobretudo em 1944, Auschwitz-Birkenau torna-se o “epicentro da destruição dos judeus da Europa”. À chegada, os deportados eram sujeitos a uma “seleção” efetuada pelos médicos das SS, que determinavam quem vivia mais uns meses ou quem seria de imediato aniquilado nas câmaras de gás. “Nenhum deles podia imaginar nos seus piores pesadelos, que dali a três ou quatro horas estariam reduzidos a cinzas”, conta Filip Müller, um sobrevivente judeu do SonderKommando de Auschwitz (comando especial formado por prisioneiros que mantinham a engrenagem de extermínio de Birkenau).
A desumanização e a despersonalização faziam parte de um processo metódico implementado pelos nazis. Os nomes de quem chegava ao campo passavam a ser números, gravados geralmente no braço esquerdo. As roupas pessoais davam lugar a uniformes. Independentemente de quem fosse gaseado ou selecionado para ir trabalhar, era sujeito à raspagem do cabelo e dos pelos púbicos, utilizados depois na produção de tecidos e de pantufas para as equipagens submarinas.
A fome fazia parte do dia a dia dos cativos. “O campo é fome, nós somos a fome, a fome na sua manifestação absoluta”, escreve Primo Levi, químico italiano de descendência judaica que fora deportado para Auschwitz em fevereiro de 1944. A pouca comida disponível aliada ao trabalho extenuante condenava muitos ao estado de “muçulmano”. Segundo Robert Waitz, sobrevivente de Auschwitz-Birkenau, que trabalhou na enfermaria do campo, “o estado de muçulmano é caracterizado pela intensidade do desaparecimento da massa muscular: torna-se apenas pele e osso. Todo o esqueleto sobressai, em particular as vértebras, as costelas e a cintura pélvica.”
A falta de higiene era outro dos grandes flagelos do campo. Marie-Claude Vaillant-Couturier, que foi enviada para Auschwitz em 1942 por fazer parte da resistência francesa durante a ocupação nazi, afirma que “havia uma total ausência de higiene. (…) Ficávamos mais de três meses sem mudar de roupa.” A impossibilidade do asseio contribuía para a formação de um ambiente inevitavelmente patológico.
O gás Zyklon B, um poderoso inseticida com 95% de ácido cianídrico, servia de arma fatal, que em 10 a 15 minutos matava todos aqueles, que trancados num espaço de poucos metros quadrados viam-se obrigados a respirá-lo. Miklós Nyiszli, médico judeu húngaro, que ajudava a retirar os cadáveres das câmaras de gás para os crematórios, conta que “os cadáveres não estão espalhados pela sala, mas sim amontoados numa pilha até ao teto.” Isto acontecia porque o gás, nos primeiros minutos, ficava estagnado perto do chão e só depois começava a subir, “era isto que levava os desgraçados a espezinharem-se e a treparem uns por cima dos outros (…)”.
O SonderKommando judaico tinha as mais infames tarefas de manutenção da máquina assassina nazi. Primeiro tiravam os cadáveres das câmaras de gás, depois arrancavam-lhes os dentes de ouro que eram derretidos para posterior envio para a Alemanha e por fim colocavam os corpos nos fornos crematórios para serem reduzidos a cinzas. Shlomo Venezia, sobrevivente judeu de Auschwitz-Birkenau, que fez parte de um SonderKommando, diz que não havia “nada mais duro do que levar as pessoas para a morte (…). A cada dia preferia morrer e, no entanto, a cada dia lutava para sobreviver.” A cada quatro meses o SonderKommando, responsável pela materialização da “Solução Final da questão judaica”, era assassinado pelos SS do campo e substituído por um grupo novo.
Muitas foram as vítimas do Holocausto, entre as quais Baruch Lopes Leão de Laguna, judeu de origem portuguesa. Entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX foi um dos grandes pintores da escola dos retratistas holandeses. Em 1941, quando a Holanda é invadida pelos nazis, o pintor é obrigado a esconder-se no norte do país, mas acaba por ser capturado e levado para Auschwitz onde é assassinado no ano de 1943. Além de Baruch Lopes Leão de Laguna, 4 mil judeus de origem portuguesa que viviam na Holanda foram mortos nas câmaras de gás. Cerca de 21 portugueses foram encarcerados no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, entre os quais Prosper Colomar e Richard Lopes, que acabaram por não sobreviver.
Relembrar Auschwitz é relembrar o que há de pior no ser humano, mas também o que há de melhor, como sempre acontece em situações limite. José Brito Mendes, operário português que vivia nos arredores de Paris, arriscou a própria vida, escondendo Cécile, uma criança judia de cinco anos, cujos os pais haviam sido deportados para os campos de extermínio. Este rasgo de heroicidade valeu a José Brito Mendes o título de “Justos entre as Nações”, atribuído pelo Yad Vashem, a “Autoridade Nacional Israelita para a Memória dos Mártires e Heróis”, em 2004. Outro português a ser distinguido com o mesmo título foi Sampaio Garrido, em 2010, por ter protegido e salvado centenas de judeus e não judeus como embaixador em Budapeste, na Hungria.
O Holocausto será por ventura o maior buraco negro da História da Humanidade que conduziu à diminuição da população judaica em um terço a nível mundial e em dois terços na Europa. Em nome do nazismo, uma das mais mortíferas narrativas político-ideológicas de que há memória, opositores políticos, ciganos, judeus, homossexuais, testemunhas de jeová, prisioneiros de guerra, deficientes, doentes mentais e todos aqueles considerados sub-humanos aos olhos de Hitler foram encarcerados ou mortos.
Desde o fim do Holocausto que guerras e massacres continuam a acontecer. Pensar que o impossível não sucederá de novo é subestimar a natureza humana. A “solução final” nasceu no seio de uma sociedade desenvolvida e erudita. Acreditar que o agora ou os amanhãs não serão invadidos pela barbárie é não conhecer o ego desmedido do Homem. No Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, instituído pelas Nações Unidas, em 2005 e assinalado a 27 de Janeiro, é importante reafirmar o poder da tolerância e da compaixão pelo outro na prevenção de novos genocídios.
Auschwitz, a máquina mais eficaz de aniquilamento de seres humanos, existiu. Não teve vida apenas nos meandros mais obscuros da mente humana. Como referiu Imre Kertész no discurso de atribuição do Prémio Nobel de 2002: “O problema de Auschwitz não é saber se devemos manter a sua memória ou metê-la numa gaveta da História. O verdadeiro problema de Auschwitz é a sua própria existência e, mesmo com a melhor vontade do mundo, ou com a pior, nada podemos fazer para mudar isso.”